Espírito O
âmago da vida humana
TEXTO ÁUREO
“Peso da Palavra do Senhor sobre Israel. Fala o Senhor, o que estende o
céu, e que funda a terra, e que forma o espírito do homem dentro dele.” (Zc
12.1)
ENTENDA O
TEXTO ÁUREO
Peso da Palavra do Senhor sobre Israel מַשָּׂא
דְבַר־יְהוָה (massá devar YHWH) A palavra “peso” (מַשָּׂא, massá) não significa
apenas “mensagem”, mas um oráculo carregado, uma declaração com força de juízo
e glória. O termo implica algo que cai sobre o povo com impacto inevitável, é
pesado porque é divino, inevitável e traz consequências cósmicas.
Zacarias abre esse capítulo dizendo: “O que vou
dizer não é leve. Não é opinativo. Não é sugestão. É o peso da Palavra do Deus
eterno.”
Ou seja, a
mensagem que virá não depende da reação humana; é soberana, firme e
irrevogável. O objeto desse “peso” é Israel, não as nações pagãs. Aqui, Deus
fala primeiro aos seus, chamando-os à responsabilidade pela aliança. Sempre que
Deus pesa uma palavra sobre o seu povo, é porque está prestes a revelar algo
decisivo: juízo, restauração ou ambos.
Fala o Senhor נאֻם־יְהוָה (ne'um
YHWH) O termo hebraico aqui indica uma declaração oficial, um pronunciamento
profético com a autoridade de um Rei. Zacarias enfatiza que quem fala não é o
profeta, mas o próprio YHWH, o Deus da aliança. Essa expressão reforça:
“Preparem-se. Não é Jeremias, Isaías, Zacarias ou qualquer voz humana. É o
próprio Senhor que rompe o silêncio.”
O que estende o céu הַנּוֹטֶה
שָׁמַיִם (hannoteh shamayim) Antes de decretar juízo ou promessa, Deus
apresenta Seu currículo. Ele apela não para Seu poder militar, mas para Seu
poder criador. O verbo נָטָה (natah) significa “esticar, estender como uma
tenda”. A imagem é belíssima:
O céu é como um tecido esticado pela
mão de Deus.
Ele o estende com precisão, com
propósito, com domínio absoluto.
Essa
linguagem ecoa o Gênesis e lembra que a Aliança envolve o mesmo Deus que criou
todas as coisas. Se Ele estende os céus, Ele estende Sua vontade sobre a
história com a mesma autoridade.
E funda a terra וְיֹסֵד אָרֶץ
(veyosed aretz) O verbo יָסַד (yasad) significa “lançar os alicerces”, usado
para descrever um pedreiro construindo uma cidade ou templo. Aqui, Deus é “o
arquiteto cósmico”. Ele não apenas estendeu o céu; Ele firmou a terra, a
estabilizou, deu-lhe estrutura.
O mundo não
está à deriva; existe uma base espiritual criada por Deus que sustenta sua
ordem. Esse detalhe é importante, porque o capítulo
12 fala de juízo e intervenção divina, e o Deus que julga é o mesmo que
construiu o palco da história.
E que forma o espírito do homem dentro dele וְיֹצֵר
רוּחַ אָדָם בְּקִרְבּוֹ (veyotser ruach adam beqirbo) Aqui está o clímax
teológico do verso. O verbo יָצַר (yatsar) é o mesmo usado em Gênesis 2.7 para descrever Deus
moldando o homem “como um oleiro molda o barro”. É um verbo artesanal: Deus não
cria o espírito humano por acidente; Ele o forma cuidadosamente,
intencionalmente. A palavra רוּחַ (ruach) aqui significa: espírito humano,
centro da consciência, sede da moralidade, local onde Deus se comunica. Ao
dizer que Ele forma o espírito “dentro dele” (בְּקִרְבּוֹ, beqirbô), Zacarias
afirma:
Deus não
apenas cria universos exteriores; Ele cria universos interiores.
O mesmo Deus que moldou galáxias
moldou sua consciência, seu senso moral, sua capacidade de adorá-Lo.
Ele tem
autoridade absoluta sobre o interior humano, nossos pensamentos, desejos,
convicções, propósito e direção.
Zacarias
quer que entendamos: o mesmo Deus que move os céus e funda a terra é quem molda
o espírito humano. Ou seja, Ele controla tanto o macro quanto o micro, o
universo e o indivíduo, as nações e cada pessoa. Por isso a Palavra dEle é
“peso”: Ele fala como Criador do cosmos e como Criador da alma.
Zacarias
12.1 nos lembra:
Aquele que soprou o universo também
soprou vida em você.
Aquele que sustenta as estrelas
sustenta seu espírito.
Aquele que governa as nações governa
seu futuro.
Se Deus
estende o céu, funda a terra e molda seu espírito, não há área da vida que Ele
não reivindique como Sua.
VERDADE PRÁTICA
Uma vez livre, nossa alma recebe vida espiritual e dirige nosso corpo
para adorar e servir ao Criador.
ENTENDA A
VERDADE PRÁTICA:
Quando a
graça nos liberta, o Espírito vivifica nossa alma, realinha nossos afetos e
toma o governo do nosso ser; então, corpo, mente e vontade se curvam em
adoração e se movem em fidelidade para servir ao Deus que nos chamou à
santidade.
LEITURA BÍBLICA = Gênesis 2.7;
Eclesiastes 12.7; Zacarias 12.1; João 4.24.
Gênesis 2:7
7. E formou o Senhor Deus o
homem do pó da terra e soprou em seus narizes o fôlego da vida; e o homem foi
feito alma vivente.
Destaco o
ato pessoal de Deus ao formar o homem “do pó” e soprar o “fôlego de vida”.
Entende que o “fôlego” não é meramente biológico, mas espiritual, representando
a dimensão imaterial que torna o ser humano capaz de comunhão com Deus. Afirma
que, desde a criação, o ser humano é um ser tripartido (corpo, alma, espírito)
e que a vida espiritual depende do relacionamento com Deus.
A Bíblia de
Estudo Plenitude enfatiza que Deus é o artífice pessoal da humanidade, moldando
o homem com propósito. O sopro divino comunica vida, identidade e propósito,
elevando o homem acima da criação animal. Liga o versículo à ideia de que o ser
humano possui um espírito que responde ao Espírito de Deus.
A Bíblia de
Estudo MacArthur interpreta o ato criativo como evidência da distinção
ontológica entre o homem e os animais. O “fôlego de vida” é visto como a alma
racional e imortal que distingue a humanidade. Destaca que a formação do homem
é literal, histórica e central para a doutrina da imagem de Deus.
A Bíblia de
Estudo Shedd ressalta a união de dois elementos: matéria (“pó”) e vida
espiritual (“sopro”). Aponta que a vida humana deriva diretamente de Deus, por
meio de Sua vontade. Mostra que a dignidade humana está em sua origem divina e
no chamado para refletir o caráter de Deus.
Eclesiastes 12:7
7. e o pó volte à terra, como o era, e o
espírito volte a Deus, que o deu.
Bíblia de
Estudo Pentecostal: Usa o texto para ensinar a existência pós-morte do espírito
humano. Defende que o espírito é preservado por Deus e retorna a Ele para
julgamento. Reforça que a morte é uma separação entre corpo e espírito, não
aniquilação.
Bíblia de
Estudo Plenitude: Interpreta este versículo como a reafirmação de que o ser
humano tem um espírito que sobrevive à morte física. Vê o retorno do espírito a
Deus como prestação de contas da vida vivida.
Bíblia de
Estudo MacArthur destaca que o versículo se refere à realidade universal da
morte como consequência do pecado. O retorno do espírito a Deus implica
responsabilidade moral e julgamento final. Se conecta à doutrina da
imortalidade da alma.
Bíblia de
Estudo Shedd sublinha a divisão entre corpo e espírito no momento da morte. O
retorno do espírito a Deus é uma afirmação de origem divina da vida humana. O
versículo reforça que a existência humana transcende o material.
Zacarias 12:1
1. Peso da Palavra do Senhor sobre Israel. Fala
o Senhor, o que estende o céu, e que funda a terra, e que forma o espírito do
homem dentro dele.
Bíblia de
Estudo Pentecostal enfatiza o poder criador de Deus expresso em três atos:
estender os céus, fundar a terra, formar o espírito. O espírito humano é visto
como um componente espiritual e eterno, que responde ao Espírito de Deus.
Mostra que Deus é tanto Criador cósmico quanto pessoal.
Bíblia de
Estudo Plenitude interpreta “forma o espírito” como referência ao espírito
humano que reflete a imagem divina. A passagem legitima a capacidade do ser
humano de relacionar-se espiritualmente com Deus. Conecta o texto ao tema da
identidade espiritual de Israel.
Bíblia de
Estudo MacArthur aponta que o versículo destaca três obras criadoras de Deus,
todas de igual magnitude. O espírito humano é entendido como a essência
interior, imaterial, racional e moral. Aplica o texto à autoridade absoluta de
Deus sobre a criação e sobre Israel.
Bíblia de
Estudo Shedd enfatiza o contraste entre grandeza cósmica e cuidado pessoal. O
espírito do homem é visto como elemento que deriva diretamente de Deus,
conferindo dignidade e responsabilidade. Indica que toda autoridade profética
deriva do Deus que cria e controla tudo.
João 4:24
24. Deus é Espírito, e importa que os que o
adoram o adorem em espírito e em verdade.
Bíblia de Estudo Pentecostal ressalta que a
natureza espiritual de Deus exige adoração espiritual e verdadeira.
“Em espírito e em verdade” implica adoração
motivada pelo Espírito Santo. A adoração não se limita a um lugar físico, mas a
um coração regenerado.
Bíblia de
Estudo Plenitude mostra que adorar “em espírito” significa adorar com o
espírito humano vivificado pelo Espírito Santo. “Em verdade” é adoração
alinhada à revelação de Deus em Cristo. O texto enfatiza a centralidade da
experiência espiritual na vida cristã.
Bíblia de
Estudo MacArthur interpreta “Deus é espírito” como afirmação da natureza
imaterial, infinita e pessoal de Deus. A verdadeira adoração deve ser conforme
a verdade das Escrituras. Critica a adoração ritualista e meramente emocional.
Bíblia de
Estudo Shedd enfatiza a essência imaterial e transcendente de Deus. A
verdadeira adoração flui de um espírito transformado e alinhado à Palavra.
Mostra que Jesus desloca a adoração do templo geográfico para um novo “templo”:
o coração regenerado.
INTRODUÇÃO
Falar sobre
o espírito humano é voltar ao ponto mais profundo da nossa existência. Depois
de entendermos o corpo e a alma, chegamos agora ao centro invisível onde tudo
realmente começa: o lugar onde Deus sopra vida, onde Ele nos encontra, onde a
fé se acende e onde a santificação toma forma. Esse é o tema desta lição. E ele
é decisivo.
O problema
é que muitos cristãos conhecem bem as demandas do corpo e até reconhecem os
conflitos da alma, mas raramente param para discernir o estado do próprio
espírito. Vivem a fé de maneira funcional, mas não necessariamente profunda.
Servem a Deus com emoção e vontade, mas sem perceber que o âmago, o espírito,
pode estar enfraquecido, confundido ou até adoecido. E quando o espírito perde
sensibilidade, toda a vida espiritual perde direção.
Nesta lição temos um alvo simples e direto: o espírito
é a parte mais íntima do ser humano, dada por Deus, e precisa estar vivo,
alinhado e santificado para que exista verdadeira comunhão, verdadeira vitória
sobre o pecado e verdadeira adoração. Sem isso, tudo o mais se torna aparência.
Mas quando
o espírito é restaurado, cada área da vida é iluminada pela graça. Ao longo do
estudo, veremos quatro verdades fundamentais. Primeiro, que Deus nos concedeu o
espírito pelo sopro divino, definindo quem somos diante dEle.
Depois, que
o pecado atinge o espírito de maneira profunda, gerando raízes que só a obra da
graça pode arrancar.
Em seguida,
veremos como o novo nascimento regenera o nosso interior e nos devolve a
capacidade de responder a Deus.
Finalmente,
entenderemos que a adoração verdadeira só brota de um espírito quebrantado,
cheio de verdade e rendido à presença do Senhor. Antes de avançar, vale uma
reflexão: Como está o seu espírito? Não pergunto sobre sua rotina, seu humor ou
suas atividades ministeriais.
Pergunto
sobre aquilo que só Deus vê quando sonda o íntimo; o lugar onde você guarda
motivações, desejos, resistências e rendições. Nesta lição, o Senhor nos chama
a olhar para dentro com honestidade e reverência, permitindo que Sua Palavra
nos alcance exatamente onde corpo, alma e espírito se entrelaçam.
Que o
estudo a seguir desperte em nós um desejo sincero de viver diante de Deus com
profundidade, inteireza e verdade, começando pelo âmago do nosso ser.
I. O SOPRO DIVINO: A CONCESSÃO DO ESPÍRITO
1. O fôlego
da vida. O relato de Gênesis 2.7
nos obriga a desacelerar. Deus não criou o ser humano com a mesma voz que
ordenou que a luz surgisse ou que as águas se ajuntassem. Em vez disso, o texto
afirma que Ele formou o homem do pó da terra e soprou nele o fôlego da vida. O
verbo hebraico naphach transmite a ideia de um sopro pessoal, intencional,
quase como um gesto de proximidade extrema.
Não é apenas vida biológica; é vida comunicada. É aqui que
o aluno atento da Palavra percebe: a existência humana começou com um encontro
espiritual, e não apenas com um processo fisiológico. Ao soprar em Adão, Deus
não apenas ativou funções vitais. Ele conferiu espírito, aquilo que a Escritura
descreve como ruach, termo que carrega o sentido de vento, movimento, energia
interior e consciência. O espírito humano, conforme destacam Horton e Palma, é
a dimensão pela qual nos tornamos capazes de receber, perceber e responder a
Deus.
No Novo
Testamento, Paulo usa o termo grego pneuma, que, segundo Fee, indica a
faculdade mais profunda do ser humano, capaz de relacionamento, discernimento e
adoração. É o “centro” de onde fluem nossos afetos mais profundos e nossa
intuição espiritual. Essa distinção é fundamental. O espírito recebe vida de
Deus e a transmite à alma.
A alma, por
sua vez, é o assento das emoções, pensamentos e decisões, aquilo que Champlin
descreve como a expressão consciente da vida espiritual. A alma manifesta, pelo
corpo, aquilo que o espírito absorve da presença de Deus.
O espírito
é a região mais íntima, o lugar do “contato primário” com o Criador, e que essa
dimensão espiritual é inseparável da alma, embora distinta em função.
O contraste com Gênesis 1 é intencional. Nada mais
na criação recebeu esse toque. Tudo foi criado por comandos. O homem, porém, foi
tocado, moldado, vivificado. Isso demonstra que, para Deus, não somos fruto de
casualidade, mas de proximidade. Ele não apenas nos fez existir; fez questão de
estar perto para que pudéssemos existir de modo consciente, relacional e
responsivo.
Como ensina
Macchia, isso revela a vocação humana para a adoração: fomos feitos para
refletir, em nosso interior, o próprio movimento de vida que procede de Deus.
Essa verdade precisa nos constranger espiritualmente. Nosso espírito não é um
detalhe anatômico invisível; é o altar interno onde Deus deseja ser conhecido.
Quando compreendemos isso, percebemos por que a queda afetou tão profundamente
a humanidade: o espírito humano não morreu biologicamente, mas perdeu sua
sensibilidade para Deus.
A salvação
em Cristo restaura exatamente esse ponto quebrado. O Espírito Santo vivifica o
pneuma humano, reacendendo a percepção, o discernimento e o desejo pelas coisas
do céu, como enfatiza Robert Menzies. Essa restauração, no entanto, exige
resposta.
O aluno de
EBD precisa entender que sua vida espiritual não florescerá por acidente. O
espírito foi criado para receber, a alma para processar e o corpo para
expressar. Se a Palavra e a oração não alimentam o espírito, a alma se esgota e
o corpo se torna escravo dos sentidos. Mas quando o espírito é nutrido pela
presença de Deus, toda a estrutura humana se realinha, e a vida ganha
coerência, clareza e propósito. Por isso a Escritura insiste: cuide do seu
espírito. Ele é o âmago do seu ser, a zona mais profunda do seu encontro com
Deus. Quando essa dimensão é fortalecida, tudo ao redor se ordena. Quando ela é
ignorada, tudo se desorganiza.
Somos seres
soprados por Deus; e só encontramos plenitude quando o mesmo sopro, agora pelo
Espírito Santo, continua moldando nossa vida, nossos afetos e nossas escolhas.
2. A
singularidade do espírito. Há algo em nós que não cabe em diagnósticos,
análises psicológicas ou descrições comportamentais. A Bíblia chama isso de
espírito, rûaḥ no hebraico e pneuma no grego. E quando as Escrituras falam do
nosso espírito, não tratam de um detalhe secundário, mas daquilo que nos torna
seres capazes de responder a Deus. Por isso a afirmação de Zacarias 12.1 é tão incisiva: é o próprio Senhor quem “forma o
espírito do homem dentro dele”.
Antes de
qualquer identidade cultural, emocional ou social, existe essa marca divina
impressa no centro da nossa existência. É importante perceber que a Escritura
nunca confunde espírito e alma, ainda que ambos componham nossa interioridade.
Jó 7.11 deixa isso claro
ao mencionar corpo, espírito e alma de forma distinta. No hebraico, nephesh
descreve a alma como o centro da vida consciente e afetiva, enquanto rûaḥ
aponta para a dimensão mais profunda, aquela pela qual discernimos, desejamos e
nos movemos em direção ao eterno.
Silas
Queiroz observa que o espírito é a “instância mais elevada da consciência
humana, criada para relacionamento com Deus”, o que explica por que o
pecado afeta essa área com tanta intensidade.
Eclesiastes 12.7 aprofunda ainda
mais essa compreensão ao afirmar que, na morte, “o espírito volta a Deus, que o
deu”. A expressão hebraica yāšōb ha-rûaḥ el ha-Elohim mostra que o espírito não
é uma energia impessoal, mas algo que conserva identidade diante do Criador. A narrativa
de Jesus sobre o rico e Lázaro confirma isso, pois tanto o justo quanto o ímpio
aparecem plenamente conscientes após a morte (Lc 16.22-25).
A
experiência descrita ali ecoa Apocalipse 20.4, onde as “almas” dos mártires
permanecem ativas e em plena lucidez. Não existe sono da alma; existe
continuidade da consciência.
Outro ponto
essencial é que, muitas vezes, a Bíblia usa rûaḥ e nephesh de modo
representativo para toda a realidade imaterial, sem negar sua distinção. Em
passagens como Gênesis 45.27 e Salmos
146.4, rûaḥ está associado ao vigor vital e à interioridade inteira. Já em
textos como Gênesis 35.18 e 1 Reis 17.21, nephesh assume o mesmo
papel.
Craig
Keener observa que isso não deve ser lido como confusão conceitual, mas como a
forma hebraica de descrever a pessoa em sua totalidade, destacando ora uma
função, ora outra. A linguagem bíblica é funcional, não filosófica.
Contudo, no
Novo Testamento, essa distinção ganha nitidez. A palavra pneuma descreve não
apenas o sopro de vida, mas a capacidade espiritual que Deus desperta, ilumina
e regenera.
Em Hebreus 4.12, espírito e alma são
mencionados como realidades que podem ser discernidas pela Palavra. O termo
grego pneuma, derivado da ideia de movimento do ar, evoca algo ativo, dinâmico,
apto para responder a Deus.
Gordon Fee
aponta que o espírito humano é “o lugar onde o Espírito de Deus opera mais
profundamente na regeneração e santificação”. Esse entendimento tem
implicações práticas. Se o espírito é a dimensão mais profunda do ser humano, é
nele que surgem as decisões que realmente moldam nossa vida. Grande parte das
crises espirituais nas igrejas acontece porque tratamos da alma (emoções,
sentimentos, impulsos), mas negligenciamos o espírito, que precisa ser nutrido
pela Palavra, pela oração e pela obediência.
Quando o
espírito enfraquece, a alma perde direção; quando o espírito é fortalecido, a
alma encontra descanso.
Amos Yong
afirma que “a saúde espiritual antecede e sustenta a saúde emocional”.
Por isso, a
pergunta que fica é direta e pastoral: como está o seu espírito? Não sua
rotina, não sua aparência, não sua produtividade, mas aquilo que Deus formou
dentro de você. A Bíblia nos chama a cuidar desse lugar sagrado de forma
intencional, porque é dele que brotam a comunhão, o discernimento e a
obediência. Espírito e alma são distintos, mas caminham juntos. E quando o
espírito é alinhado ao Senhor, toda a vida encontra ordem, propósito e
transformação.
3. A tênue
divisão. Quando Paulo ora para que o “espírito, alma e corpo” sejam
preservados irrepreensíveis (1Ts 5.23),
ele não está criando uma teoria filosófica sobre a natureza humana.
Ele está
revelando que Deus conhece cada camada do nosso ser, inclusive aquela fronteira
quase imperceptível onde alma e espírito se encontram. Essa distinção não é
fria nem acadêmica; é pastoral. Mostra que o Senhor cuida tanto do nosso vigor
espiritual quanto das emoções que sentimos e do corpo com o qual caminhamos
neste mundo.
Hebreus 4.12 aprofunda essa
percepção com uma imagem poderosa. A Palavra é comparada a uma espada afiada
que “penetra até dividir alma e espírito”.
O autor usa
o verbo grego diiknéomai, que indica atravessar inteiramente, chegando até
aquilo que nenhuma análise humana alcança. Não se trata de uma separação
mecânica, mas de uma revelação sobrenatural. O texto afirma que a Escritura
invade os recantos mais profundos, aqueles onde nossas motivações espirituais
se misturam com nossos sentimentos, expectativas e fragilidades da alma. Essa
“divisão tênue” não é um corte para destruir, e sim para discernir. O espírito,
pneuma, é a dimensão que responde diretamente a Deus.
A alma,
psychē, traz consigo nossos afetos, histórias, memórias, dores e desejos. Ambos
são tão entrelaçados que só a Palavra consegue mostrar onde termina um
movimento meramente emocional e onde começa uma decisão verdadeiramente
espiritual.
Craig
Keener observa que Hebreus usa essa metáfora para mostrar que “o
discernimento divino ultrapassa qualquer capacidade humana de análise”.
Isso significa que, mesmo quando parecemos espirituais, pode haver sentimentos
não tratados governando nossas escolhas. E, por outro lado, mesmo quando nossas
emoções estão abaladas, pode existir um movimento real do Espírito Santo
fortalecendo o espírito humano em seu interior.
Gordon Fee
lembra que o Novo Testamento descreve o espírito como “o ponto de contato
onde o Espírito de Deus opera de forma mais decisiva na vida do crente”.
Isso
explica por que decisões espirituais profundas às vezes surgem justamente em
momentos de intensa emoção, desde que iluminadas pela Palavra. A distinção
bíblica entre espírito e alma também reforça que a experiência cristã não é
unidimensional. A fé alcança o espírito, transforma a alma e santifica o corpo.
Stanley
Horton destaca que essa visão tríplice é coerente com a antropologia bíblica,
porque cada área tem um papel no processo de santificação. O espírito recebe
vida, a alma é moldada e o corpo se torna instrumento de obediência. É por isso
que Paulo ora para que tudo isso seja preservado; a obra de Deus é integral.
Essa
compreensão protege o cristão de dois extremos: espiritualizar tudo e ignorar a
alma, ou psicologizar tudo e ignorar o espírito. A Bíblia não escolhe um lado;
ela ilumina os dois. E ao fazer isso, ela cura. Ela nos mostra intenções
escondidas, medos silenciosos, desejos não confessados e ambições espirituais
legítimas que estavam soterradas por camadas de emoções feridas.
Quando a
Palavra atua nesse lugar sutil, o coração encontra alinhamento e paz. O ponto
final é simples, direto e pastoral: deixe a Palavra entrar onde nenhuma outra
voz consegue chegar.
Ela separa,
discerne, cura e reordena. A divisão entre alma e espírito é tênue demais para
ser compreendida sozinhos, mas clara o suficiente quando iluminada pelo Deus
que nos formou. E quando Ele traz discernimento, nossa vida inteira (espírito,
alma e corpo) encontra o caminho da obediência e da maturidade cristã.
II. ESPÍRITO, PECADO E SANTIFICAÇÃO
1. Pecados do espírito. Quando a
Bíblia fala de pecados, ela não se limita ao que fazemos com o corpo ou ao que
sentimos na alma. Há algo ainda mais profundo e perigoso: os pecados do
espírito. São movimentos internos que nascem no mais alto nível da interioridade
humana, onde nossas decisões revelam quem realmente somos diante de Deus.
Enquanto os pecados do corpo são visíveis e os da alma se manifestam pelas
emoções, os do espírito se escondem nos bastidores da motivação. São altivos,
sorrateiros, e muitas vezes passam despercebidos até mesmo por quem os comete.
É por isso
que textos como Provérbios 16.18 e 1
Timóteo 3.6 tratam o orgulho e a soberba como destruições anunciadas. O
hebraico usa o termo ga’on, que indica não apenas a elevação do coração, mas uma
autopercepção distorcida, inflada, que tenta rivalizar com a própria autoridade
de Deus. Esses pecados não surgem repentinamente; eles se formam no espírito,
no lugar onde deveria haver reverência, humildade e dependência do Senhor.
Anthony
Palma afirma que “pecados espirituais são perigosos porque disfarçam
independência de Deus com aparência de zelo”. O problema é que, por serem
silenciosos, os pecados do espírito se tornam mais danosos.
Provérbios 15.25 declara que Deus
derruba a casa dos soberbos, mostrando que o juízo divino não recai apenas
sobre atos externos, mas sobre a postura interior que os alimenta.
A soberba
tem frutos. A arrogância tem ramos. A inveja tem raízes profundas. E quando
esses elementos se entrelaçam no espírito humano, eles contaminam
relacionamentos, ambientes e até ministérios inteiros.
Tiago 3.13–16 descreve isso com
precisão ao mostrar que onde há inveja e espírito faccioso, ali haverá confusão
e toda obra perversa. Perceba como isso atua na prática. As explosões de ira,
as disputas, os ciúmes ministeriais, as murmurações e a maledicência raramente
são problemas isolados. São sintomas. São sinais externos de uma enfermidade
mais profunda.
Silas
Queiroz lembra que “os pecados do espírito explicam por que muitas quedas
começam bem antes de qualquer ato visível”.
Ne 4.1–8 mostra isso
claramente. Sambalate e Tobias não começaram com ataques externos; primeiro
foram corroídos por inveja e soberba no espírito, e só depois suas palavras e
ações se tornaram hostis.
Neemias,
por outro lado, é o retrato do que acontece quando o espírito está alinhado com
Deus.
Ele
discerne a raiz espiritual da oposição e responde com vigilância e oração. Não
perde o foco. Não desce ao nível dos ofensores. Não entrega sua paz ao veneno
da soberba alheia.
Craig
Keener observa que Neemias “vence não apenas pela estratégia, mas pela
integridade interior”. O combate não era apenas contra inimigos externos, mas
contra tentações internas que poderiam desviá-lo do propósito. Por isso Paulo
nos chama, em Romanos 12.21, a
vencer o mal com o bem.
Essa não é
uma postura emocional, mas espiritual. É no espírito que decidimos se
permitiremos que o orgulho determine nossas reações ou se deixaremos o Espírito
Santo moldar nossa resposta. E quanto mais discernimos isso, mais entendemos
que os maiores combates do cristão não são travados nas mãos ou na língua, mas
no espírito, onde nascem tanto as quedas quanto as vitórias. Assim, o chamado
para nós é claro: vigiar o espírito. Examinar motivações. Detectar raízes de
orgulho antes que elas se tornem muralhas de rebelião. Os pecados do espírito
podem destruir relacionamentos, projetos e ministérios, mas um espírito
quebrantado, moldado pela Palavra e sustentado pela graça, se torna espaço para
a vida, para a maturidade e para o avanço do Reino.
2. Raízes
do pecado. Quando Paulo ora para que todo o ser humano
seja santificado em espírito, alma e corpo (1Ts
5.23), ele não está apenas organizando palavras. Ele está revelando uma
ordem espiritual que nasce da própria economia da salvação.
No grego,
Paulo usa “pneuma, psychē, sōma”, e essa sequência não é acidental. Ele toca
primeiro na dimensão mais profunda, onde a vida de Deus é implantada, e de onde
fluem todas as demais transformações. Muitos crentes tentam mudar de fora para
dentro, mas Paulo mostra que a obra de Deus começa no invisível e vai
empurrando luz até atingir o visível. No relato da criação, Deus começa pelo pó
e sopra o fôlego que faz o homem tornar-se alma vivente (Gn 2.7).
É um
movimento do material para o imaterial. Já na redenção, o caminho é invertido.
Pedro afirma que somos regenerados pela Palavra viva e permanente de Deus (1Pe 1.23).
Paulo
explica que a própria criação aguarda a redenção do corpo (Rm 8.23), o que significa que Deus inicia sua obra no espírito e a
estende até alcançar o corpo.
Essa lógica
revela que o pecado, antes de se expressar em comportamentos, se aloja na
região mais íntima da pessoa, aquilo que a Bíblia chama de coração, o centro
espiritual das decisões e dos afetos.
Jesus deixa
isso evidente quando afirma que “do coração procedem os maus pensamentos,
homicídios, adultérios” (Mt 15.19).
No termo
grego “kardia”, não está apenas o lugar das emoções, mas o núcleo da existência
humana. É ali que o pecado finca raízes profundas. Por isso, a santificação
verdadeira não acontece por ajustes superficiais ou pela imposição de regras,
mas por transformação interna. O profeta Ezequiel já anunciava isso quando
falava do novo coração e do novo espírito que Deus colocaria no seu povo (Ez 36.26,27).
Paulo
retoma o mesmo princípio ao dizer que o Espírito vivifica o nosso interior e
produz fruto em nós (Rm 8.10-13; Gl
5.22).
Quando essa
verdade é ignorada, nasce o legalismo. O indivíduo foca no comportamento, mas
não permite que o Espírito Santo trate a raiz. A pessoa se cansa tentando
parecer santa, enquanto o interior permanece sem vida. Jesus confrontou os
fariseus justamente por essa incoerência. Eles limpavam o exterior do copo, mas
o interior permanecia impuro (Mt
23.25-28).
A Doutrina
da Graça é distorcida quando alguém acredita que pode produzir santidade por
esforço próprio. A graça não apenas perdoa; ela recria o interior, conduzindo o
crente a uma vida de obediência fruto da obra de Deus, e não da autoconfiança (Ef 2.8-10).
Essa
compreensão é confirmada pelo estudo teológico mais amplo.
Silas
Queiroz destaca que a santificação envolve o ser humano integral, mas sempre
parte do espírito regenerado, onde o Espírito Santo habita e opera.
Antônio
Gilberto lembra que o Espírito Santo age no “homem interior” para que o exterior reflita essa
obra divina.
Amos Yong e
Gordon Fee enfatizam que o Espírito atua na profundidade da pessoa, reordenando
desejos e purificando motivações, antes mesmo de tocar nos comportamentos.
Craig
Keener, em seu Comentário Histórico-Cultural, reforça que a estrutura
tripartida de Paulo não visa fragmentar o ser humano, mas mostrar a direção do
agir divino: da essência para as expressões externas. Se a raiz do pecado está
no interior, então o chamado pastoral é claro.
A
santificação precisa começar naquilo que não aparece. É ali que Deus planta a
vida nova. É ali que o Espírito convence, purifica e transforma. É ali que as
decisões mais profundas são tomadas.
Para muitos
cristãos, essa é a descoberta que faltava. Não é que sua fé seja fraca, é que
eles estão travando a batalha no lugar errado.
Quando o
coração é tratado, tudo o mais encontra ordem e direção. E é assim que a graça
produz frutos que realmente permanecem.
3. Vencendo
o pecado. Há um ponto da vida
cristã que todos precisam enfrentar com honestidade. O pecado que mais nos
oprime não é o escandaloso, nem o visível. É aquele que se fixa no espírito,
quieto, profundo, quase imperceptível. E a verdade é que ninguém vence essa
força pela própria capacidade. Paulo afirma com clareza que “o pecado não terá
domínio sobre vós” porque estamos debaixo da graça, e não da lei (Rm 6.14).
A graça não
é apenas um favor imerecido; é poder atuante. O autor de Hebreus reforça que
fomos santificados “uma vez por todas” pelo sacrifício de Cristo (Hb 10.10). Ou seja, a vitória começa
onde nossa força termina.
Paulo
explica que existe uma lei operando em nós. Ele chama de “lei do pecado e da
morte”, um princípio interno que nos empurra para longe de Deus. Mas existe
outra lei, maior e superior, “a lei do Espírito de vida” (Rm 8.2).
No texto
grego, o termo “nomos” aparece em contraste. Uma força é destrutiva; a outra é
vivificadora. O Espírito Santo liberta não apenas da culpa, mas também do
domínio do pecado. A santificação é uma obra do Espírito no pneuma humano,
ativando uma nova dinâmica de vida que não poderia nascer de esforço humano
algum. O que é impossível para nós torna-se possível pela ação divina. Paulo
faz questão de sublinhar isso em Romanos
8.3 e 4.
Deus fez o
que a lei era incapaz de realizar porque a lei não podia transformar o
interior.
A carne, no
grego “sarx”, descreve a condição humana inclinada ao pecado. O Espírito,
porém, reverte essa inclinação. Ele insere no coração um novo padrão de vida,
capacita a obediência e ajusta nossas inclinações à vontade de Deus. Essa é a
marca da nova criação. A obra não começa na moralidade, mas na regeneração. Por
isso, o caminho para vencer o pecado exige mansidão e humildade. Paulo aponta
Cristo como nosso modelo. Ele se esvaziou, assumiu forma de servo e se humilhou
até à morte (Fp 2.3-8).
A expressão
grega “ekenōsen”, traduzida como “esvaziou-se”, revela a profundidade do gesto.
Não significou perder sua divindade, mas renunciar a qualquer prerrogativa que
impedisse sua completa submissão ao Pai. A vida cristã nasce desse mesmo
movimento. A mansidão não é fraqueza; é força sob controle. A humildade não é
timidez; é confiança absoluta em Deus, e não em si mesmo. Por isso, a
arrogância deveria ser totalmente alheia ao povo de Deus. Ela é incoerente com
a vida no Espírito.
Onde há
brigas, disputas, contendas, especialmente quando feitas “em nome de Cristo”,
há imaturidade espiritual. Paulo adverte que ao servo do Senhor não convém
contender (2Tm 2.24).
Essa
palavra é decisiva para líderes, professores e alunos da EBD que servem em
ambientes onde divergências existem.
A maturidade
espiritual se revela não pela capacidade de vencer debates, mas pela capacidade
de vencer a carne. Diante disso, o chamado bíblico é simples e profundo:
Precisamos nos purificar de todo pecado, inclusive aqueles que nascem no
espírito, que se escondem atrás de boas intenções, ministérios ativos ou
discursos piedosos. Paulo nos convoca a aperfeiçoar a santificação no temor de
Deus (2Co 7.1).
Isso
significa cultivar uma vida sensível ao Espírito, pronta ao arrependimento,
vigilante contra a soberba e dependente da graça. E isso transforma tudo.
Quando o Espírito governa o interior, surge uma vida frutífera, marcada por
paz, sobriedade, maturidade e relacionamentos restaurados.
III. REGENERAÇÃO E ADORAÇÃO
1.
O Novo Nascimento. A vitória real e permanente sobre o pecado não
começa na força de vontade, nem em padrões morais elevados, e muito menos em
códigos de conduta externos. Ela nasce, antes de tudo, no milagre interior do
Novo Nascimento, obra soberana de Deus realizada pelo Espírito Santo. Jesus é
categórico ao afirmar a Nicodemos, mestre, conhecedor da Torá, homem
disciplinado no agir religioso, que ninguém pode “ver” ou “entrar” no Reino de
Deus sem nascer “da água e do Espírito” (Jo
3.5).
A questão
não é aprimorar o velho homem, mas tornar-se uma nova criação pela ação
regeneradora de Deus (Ef 2.1-6).
Nicodemos
representa todo ser humano que confia excessivamente na forma, nos ritos, na
tradição e na aparência da piedade. Ele conhece a teologia, mas lhe falta a
vida do Espírito; conhece as Escrituras, mas ainda não experimentou seu poder;
conhece a Lei, mas seu coração ainda não foi transformado.
Por isso,
não compreende a linguagem da Regeneração, porque ela não se explica apenas com
categorias doutrinárias, mas com experiência espiritual. Como Paulo declara,
aqueles que possuem mera fachada de espiritualidade “têm aparência de
piedade, mas negam o seu poder” (2Tm
3.5).
O verbo
grego arneomai (“negar”) indica uma recusa ativa: não é ignorância, é
resistência.
São pessoas
que, com espírito altivo, rejeitam a obra sobrenatural do Espírito, resistem à
verdade revelada e procuram reinterpretar a Escritura conforme seus próprios
desejos, exatamente como Paulo advertiu: “não suportarão a sã doutrina” (2Tm 4.3).
Essa
resistência lembra a postura dos falsos mestres denunciados por Paulo, homens
que colocavam a própria opinião acima da autoridade apostólica e minavam a fé
da igreja (2Tm 2.16-18).
Em
contraste, o regenerado submete sua vida à Palavra, reconhece a soberania de
Deus e experimenta profunda transformação interior. É por isso que,
biblicamente, não podemos ter comunhão espiritual com aqueles que persistem em
desprezar a verdade, distorcer as Escrituras e negar seu poder (1Tm 6.3-5).
A comunhão
cristã pressupõe não apenas convivência, mas unidade na fé, na verdade e no
Espírito. Onde essa base é rejeitada, a própria comunhão é impossibilitada.
Assim, o
Novo Nascimento não é um detalhe periférico da experiência cristã. Ele é: o
início da vida espiritual, pois sem ele estamos “mortos em delitos e pecados” (Ef 2.1); a raiz da santificação,
porque apenas um coração renovado pode produzir frutos novos (Ez 36.26-27); a porta de entrada do
Reino, conforme o ensino direto de Jesus (Jo
3.5); o fundamento da nova identidade, pois agora somos feitos filhos de
Deus (Jo 1.12-13).
Quem nasce
de novo não apenas crê, vive outra vida, movido pelo Espírito e transformado
continuamente pela graça.
2. Em espírito
e em verdade. A compreensão da obra indispensável do Novo
Nascimento não apenas inaugura a vida cristã, mas modela a forma correta de
adorar a Deus. A adoração genuína não nasce de práticas externas, nem de
tradições geográficas ou culturais, mas de um coração transformado pelo
Espírito Santo. Por isso, Jesus conduz a mulher samaritana, assim como fez com
Nicodemos, a superar um entendimento meramente religioso, limitado ao que é
visto e herdado. Quando a mulher aponta para o Monte Gerizim, apelando ao
costume de seus antepassados (Jo 4.20),
ela revela a mesma lógica de Nicodemos: a de uma espiritualidade centrada no
externo, no lugar, no rito.
Ambos
representam a tendência humana de confundir expressões visíveis de devoção com
a essência espiritual da fé. Contudo, Jesus corrige essa percepção e a
direciona para a realidade maior inaugurada pelo Evangelho: a adoração que o
Pai procura não é geográfica, mas espiritual (Jo 4.23-24).
Jesus
declara que o Pai busca adoradores “em espírito e em verdade”.
O termo
grego pneuma aqui não se refere apenas ao “espírito humano”, mas à vida
interior regenerada, capacitada e vivificada pelo próprio Espírito Santo. A
adoração verdadeira brota do íntimo, de um coração renovado conforme a promessa
de Ezequiel: “porei dentro de vós o meu Espírito” (Ez 36.27).
Sem
regeneração, a adoração permanece restrita ao ritual; com a regeneração, ela se
torna comunhão viva, resposta amorosa ao Deus que nos alcançou pela graça. Além
disso, Jesus afirma que essa adoração deve ser “em verdade”. Aqui, “verdade”
não é mera sinceridade subjetiva, mas conformidade com a revelação bíblica.
Como o próprio Cristo ensina: “Quem crer em mim, como diz a Escritura...” (Jo 7.38).
A
espiritualidade saudável não se apoia em misticismos, experiências autônomas ou
tradições humanas; ela é sustentada pela Palavra revelada e iluminada pelo
Espírito. A adoração cristã é, portanto, teocêntrica, bíblica e espiritual.
Assim, adorar em espírito e em verdade significa:
Adorar a partir de um coração
regenerado, vivificado pelo Espírito Santo;
Adorar conforme a Escritura, e não
conforme costumes humanos;
Adorar de forma interior, sincera e
santa, não limitada a locais ou sistemas religiosos;
Adorar Cristo como centro, pois Ele
é a plena revelação do Pai.
Em Cristo,
a adoração deixa de ser geográfica para tornar-se existencial; deixa de ser
ritualística para tornar-se relacional; deixa de ser externa para tornar-se uma
resposta viva ao Deus que nos regenerou para viver em comunhão com Ele.
3. Um
espírito quebrantado. O Pentecostalismo Clássico, em sua expressão
mais fiel, sempre buscou manter-se alinhado à simplicidade e pureza da fé
bíblica, longe de misticismos alheios às Escrituras e centrado na obra do
Espírito Santo como revelada na Palavra. Esse movimento, historicamente
enraizado na oração, na santificação e na submissão à autoridade da Escritura,
reconhece que a adoração autêntica não nasce do espetáculo, mas de um coração
profundamente tocado pela graça de Deus.
Quando Jesus afirma: “Deus é Espírito, e
importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade” (Jo 4.24), Ele não apenas corrige a
visão geográfica da samaritana; Ele estabelece o princípio fundamental de toda
adoração cristã: ela brota do interior, do espírito regenerado, transformado e
quebrantado diante do Santo Deus. O salmista expressa essa mesma verdade:
“Coração quebrantado e contrito, não o desprezarás, ó Deus” (Sl 51.17).
O termo
hebraico para quebrantado (דָּכָא daká) descreve algo esmagado, reduzido, sem
arrogância, um espírito que reconhece sua dependência do Senhor e se rende à
Sua santidade. É nesse terreno humilde que a verdadeira adoração floresce.
Paulo, por sua vez, alerta os crentes a guardarem a simplicidade e pureza
devidas a Cristo (2Co 11.3).
A adoração
não deve ser contaminada por exibições humanas, vanglória espiritual ou
práticas que desviem o foco da centralidade de Cristo. O verdadeiro culto é
cristocêntrico, humilde e reverente. Um espírito quebrantado, portanto, não é
sinônimo de fraqueza emocional, mas de força espiritual: a força de quem
reconhece que tudo provém da graça, que a santidade é obra do Espírito e que a
glória pertence somente a Deus.
O
Pentecostalismo Clássico, quando fiel às Escrituras, sempre ensinou que o
centro da adoração não é o adorador, mas o Deus que o convida a uma vida de
arrependimento, obediência e devoção sincera. Assim, a verdadeira adoração,
aquela que o Pai procura (Jo 4.23),
nasce em um coração humilde, contrito, purificado pela Palavra e sensível ao
Espírito Santo. Sem ostentação, sem autopromoção, sem teatralidade. Apenas
quebrantamento, verdade e comunhão com Deus.
CONCLUINDO
O espírito
é o âmago da existência humana. Foi nele que Deus soprou vida, e é por meio
dele que continuamos capazes de conhecer, discernir e responder ao próprio
Deus. Quando as Escrituras afirmam que “o Senhor… formou o espírito do homem
dentro dele” (Zc 12.1), lembram-nos
de que fomos criados para muito mais do que rotina, obrigações e preocupações
terrenas. Somos seres espirituais, chamados a viver em comunhão com o Criador.
No entanto,
os cuidados desta vida facilmente abafam essa consciência. A pressa, as lutas,
as demandas e até mesmo o trabalho na obra do Senhor podem nos fazer esquecer
que a vitalidade espiritual não nasce da agenda cheia, mas da presença de Deus
habitando em nós. Quando negligenciamos isso, nosso espírito se torna frágil e
nossa alma perde o brilho da alegria que só o Senhor pode restaurar. Por outro
lado, quando buscamos a presença divina com sinceridade, algo profundo
acontece. O espírito é fortalecido, a alma reencontra descanso e o corpo recebe
vigor para enfrentar cada dia com esperança renovada. A adoração, a meditação
na Palavra e a oração não são disciplinas opcionais; são o fôlego da vida
espiritual, o meio pelo qual caminhamos firmes rumo ao Céu.
O Senhor
deseja que vivamos assim: conscientes de quem somos, alimentados pela comunhão
com Ele e guiados pela obra do Espírito Santo.
Cada passo
dado na presença de Deus nos alinha novamente com o propósito para o qual fomos
criados e nos prepara para enfrentar, com fé e equilíbrio, os desafios da nossa
peregrinação. Que o Senhor nos ajude a cultivar esse espírito desperto e
sensível, lembrando sempre que nossa verdadeira força vem de permanecer nEle.
Diante de todo o
conteúdo da lição, resta-nos aplicar:
1. Cultive diariamente a vida interior, cuide do
espírito antes de qualquer outra coisa: Toda a lição
mostra que o espírito é o núcleo da vida humana, o lugar onde Deus opera
regeneração, santificação e discernimento. Por isso, a primeira aplicação é
simples e radical: priorize aquilo que fortalece o espírito antes de tudo o que
ocupa a rotina.
Isso
significa:
– separar
tempo real para oração profunda;
– meditar
nas Escrituras antes de ser absorvido pelas demandas do dia;
– permitir
que o Espírito Santo sonde o coração, revele motivações ocultas e trate os
pecados do espírito, os mais sutis e perigosos.
A
transformação verdadeira acontece de dentro para fora.
O cristão
que negligencia a vida interior se torna presa fácil da soberba, da vaidade e
da estagnação espiritual. Mas quem cuida do espírito vive com lucidez,
humildade e sensibilidade à voz de Deus.
Escolha 15
minutos diários para começar o dia em silêncio e oração, pedindo a Deus que
alinhe seu espírito ao dEle antes de qualquer decisão.
2. Submeta continuamente o coração à santificação,
deixe Deus tratar a raiz, não apenas os frutos: A lição
enfatiza que o pecado se radica no imaterial, aquilo que a Bíblia chama de
kardía (coração). Raízes espirituais geram frutos corporais e emocionais. Sem
tratar o espírito, apenas maquiamos o comportamento.
A aplicação
é: pare de lutar sozinho contra pecados visíveis e comece a permitir que a
Palavra e o Espírito tratem o nível mais profundo do seu ser. Isso inclui:
– confessar
pecados do espírito (orgulho, inveja, altivez) com honestidade;
– pedir que
o Espírito Santo revele padrões de autoengano;
– abandonar
a confiança em obras, métodos ou aparência religiosa;
– permitir
que Deus opere a renovação prometida em Ez
36.26-27.
Santificação
não é performance; é rendimento. Não é esforço humano isolado; é vida conduzida
pelo Espírito. Faça uma oração diária de entrega: “Senhor, trata meu
espírito, revela-me onde tenho resistido à tua voz e cria em mim um coração
novo.”
3. Adore e sirva a Deus em espírito e verdade, com
quebrantamento, sinceridade e vida alinhada à Bíblia: A lição
deixa claro que a adoração verdadeira não começa em espaços físicos, emoções ou
rituais, mas no espírito regenerado, sensível e quebrantado diante de Deus.
Assim como Jesus corrigiu a samaritana, o cristão precisa aprender a viver uma
fé baseada na verdade da Palavra, não em tradições, misticismos ou sensações
passageiras. Isso implica:
– discernir
o que é espiritualidade bíblica e o que é apenas religiosidade;
– cultivar
quebrantamento e simplicidade diante de Deus;
– manter-se
fiel à Escritura mesmo quando a cultura rejeita sua autoridade;
– praticar
a humildade e evitar contendas, lembrando que o servo do Senhor não vive em
disputa.
Quem adora
em espírito e verdade vive de maneira íntegra, equilibrada e centrada em
Cristo, e se torna um testemunho vivo dentro e fora da igreja.
Antes de
qualquer culto ou ministério, faça esta pergunta: “Meu coração está alinhado
com a verdade de Cristo ou apenas com minhas expectativas?”
REVISANDO O
CONTEÚDO
1. Que
ato divino demonstra a doação do espírito ao ser humano?
Feito de
uma matéria pré-existente, o pó da terra, o corpo humano estava inerte até
receber o sopro divino (o fôlego da vida), ato pelo qual Deus deu ao homem o
espírito e o tornou alma vivente (Gn 2.7).
2. Quais
os principais textos neotestamentários que mencionam a tríplice composição
humana?
No Novo
Testamento, 1 Tessalonicenses 5.23 e Hebreus 4.12 se destacam em relação à
distinção entre alma e espírito, pois os mencionam expressamente sem qualquer
aparência sinonímica.
3. Existem
pecados do espírito? Cite exemplos.
Mas também
existem pecados do espírito, como o orgulho, a soberba, a vanglória, a
arrogância e a inveja (Pv 16.18; 1Tm 3.6).
4. Onde
ficam enraizados os pecados?
É no
imaterial, que a Bíblia geralmente chama de “coração”, que o pecado fica
enraizado (Mt 15.19).
5. Como
vencer a força do pecado?
A força do
pecado arraigado em nosso espírito somente é vencida quando deixamos de confiar
em nós mesmos e dependemos inteiramente da graça de Deus e seu poder salvador e
santificador (Rm 6.14; Hb 10.10).