O chamado dos
primeiros discípulos (1.35-51)
35-37 Este dia
seguinte veio após o testemunho de João, registrado nos versículos 29-34. O cuidado com que
os dias subsequentes são enumerados nesta parte da narrativa (1.29, 35, 43,
2.1) indica que ela se baseia em pesquisas de alguém que participou dos
acontecimentos descritos e que trazia gravada em sua memória, mesmo tanto
tempo mais tarde, a sequência detalhada do seu primeiro encontro com Jesus. Na
verdade, não há nada contra a ideia de que este participante foi um dos dois
discípulos mencionados, cujo nome não é dado. João tinha muitos discípulos;
estes dois tornaram-se discípulos de Jesus, mas outros continuaram em companhia
de João enquanto ele viveu e alguns, até depois de sua morte, diziam ser seus discípulos.
Como no dia anterior, Jesus foi visto andando após eles, e João chamou a
atenção dos seus discípulos para ele, repetindo o título que já lhe tinha dado:
o Cordeiro de Deus (veja o versículo 29 AQUI). Ouvindo isto, os dois imediatamente foram
atrás de Jesus. (O verbo seguiram está no tempo aoristo, que pode ser
tomado como exemplo do aoristo “ingressivo”: “Eles se tornaram seus
seguidores”.)
Não sabemos
com certeza que reação João esperava que seus discípulos tivessem às suas
palavras, mas eles imediatamente abandonaram seu mestre e apressaram-se para se
juntar a Jesus. Certamente eles não compreenderam a profundidade do
significado que leitores modernos veem no título o Cordeiro de Deus; mas
é provável que eles tenham entendido que João estava lhes indicando este homem
como Aquele que vem, sobre quem falara antes. Não é de admirar, portanto, que
eles estavam ansiosos por conhecer mais sobre ele.
38,39 Jesus sabia
muito bem o que eles queriam; a intenção de sua pergunta era simplesmente
dar-lhes uma oportunidade de dizerem o que tinham em mente. O que eles queriam
era conhecê-lo, mas afirmar isto poderia parecer presunção; eles se
contentaram em perguntar onde ele morava. Trocar algumas palavras com ele,
parados no caminho, foi bom; serem convidados para acompanhá-lo e ter uma
conversa mais tranquila e descontraída foi melhor. O título respeitoso Rabi
(literalmente “meu grande”) é traduzido pelo evangelista para que seus leitores
gregos pudessem entendê-lo. Durante o primeiro século, ele passou a ser usado
em sentido quase técnico para indicar alguém ordenado como professor depois de
um curso apropriado de instrução rabínica, mas foi dado a Jesus como título de
cortesia pelos que viram nele um mestre enviado por Deus, como o fez Nicodemos
(Jo 3.1).
O convite
com o qual, talvez, nem se arriscavam a contar foi feito, como ainda é para
todos que querem conhecê-lo melhor: Vinde, e vede. Assim, eles foram com
Jesus até o lugar onde ele estava hospedado, e ficaram com ele o resto
daquele dia (BLH). A hora décima (a contar do nascer do sol)
correspondia aproximadamente às 16 horas, quando os homens começavam a
interromper o trabalho do dia (Alguns escritores dizem que João
seguiu a contagem “romana”, a começar da meia- noite. Às vezes, Plínio, o
Velho, é citado para apoiar este ponto de vista. Todavia, o que Plínio diz é
que os romanos (como os egípcios) definiam o dia civil como
começando e terminando à meia-noite (História Natural 2.79.188). Eles
dividiam o período de luz (da alvorada ao pôr-do-sol) em doze horas, e o período escuro
(do pôr-do-sol à alvorada) em quatro vigílias. Veja Jo 4.6,52, 19.14.). Não nos foi relatado o que ele lhes disse, mas foi suficiente para convencê-los
de que João não se enganara; este era de fato Aquele que vem, o Messias
esperado. Notícias tão maravilhosas não podiam ser guardadas para si; seus
amigos precisavam saber delas.
40-42 Nas décadas
cristãs seguintes, o nome de Simão Pedro tornou-se tão conhecido a ponto de
André ser chamado aqui de seu irmão, mesmo surgindo antes de Pedro na sequência
histórica do evangelista. (O outro discípulo não é identificado pelo nome.) A
primeira coisa que André fez depois de conhecer Jesus foi buscar seu irmão para
que este o conhecesse também. A ARA traduz literalmente seu próprio irmão
Simão, dando ao pronome idios todo seu peso clássico; porém, naquela
época, idios, quando seguido de substantivo, tendia a perder sua
ênfase, sendo usado como simples pronome possessivo (Veja em At 24.24 outro exemplo do uso “pleno” de idios: “Drusila, sua (própria) mulher”.). O pronome
é enfático no versículo 11, onde aparece duas vezes e não é seguido de
substantivo.
André disse:
Achamos o Messias. Este adjetivo verbal semita aparece somente neste
evangelho no N.T., onde é visto duas vezes - aqui e em 4.25. Nas duas vezes ele
é interpretado pelo equivalente grego christos. No A.T. o adjetivo
verbal era usado para designar o rei de Israel (o “ungido do Senhor” como em 1
Sm 16.6, etc), o sumo sacerdote (o “sacerdote ungido”, como em Lv 4.3, etc) e
uma vez, no plural, para os patriarcas em seu papel de profetas (“meus
ungidos”, Sl 105.15). No início da era cristã, a expectativa messiânica
concentrava-se no rei, mas no seu cumprimento Jesus provou ser o Messias por excelência, com as
três funções: profeta,
sacerdote e rei. Não podemos saber
com certeza o que André quis dizer com o título Messias nesta altura; sem
dúvida seu conceito foi influenciado pelas cores que a esperança de Israel
tomava na época. Todavia, quando ele e seus colegas discípulos começaram a
conhecer Jesus melhor, seus primeiros conceitos do Messias e de sua atividade
foram substituídos em suas mentes pelo verdadeiro caráter e ministério de
Jesus.
André, pois,
trouxe seu irmão a Jesus. Anos mais tarde, quando Simão Pedro fazia obras tão
grandiosas em nome de Jesus - em Jerusalém no primeiro Pentecoste cristão, em
Cesaréia quando os gentios pela primeira vez ouviram e creram no evangelho, e
em lugares bem mais distantes - André deve ter se lembrado com profunda
satisfação daquele dia em que promoveu o encontro entre seu irmão e seu mestre.
Ninguém pode prever, ao
levar um homem ou uma mulher a Jesus, o que ele fará desta pessoa.
Jesus, por
sua vez, viu o que poderia fazer do irmão de André, e deu expressão a seu
propósito em sua saudação. Simão Bar-Yohanan, o nome completo pelo qual Simão
era conhecido, é abreviado em Mateus 16.17 para “Simão Barjonas” e traduzido
aqui por Simão, o filho de João. Com um homem como este, Jesus podia
começar a fundar sua nova comunidade. Às vezes, traça-se uma linha entre o novo
nome que Jesus dá a Simão e uma antiga parábola rabínica, que explica por que
Abraão é chamado de “a rocha” em Isaías 51.1, da qual Israel foi cortado. A
história é assim: “Certo rei quis construir um palácio, e seus trabalhadores
cavaram fundo para achar um fundamento firme. Depois de cavar por dois longos
turnos, fizeram sondagens, mas só acharam argila. Finalmente, porém, eles bateram na rocha (petra), e ele disse: Agora posso fazer um começo” (A parábola foi preservada na
coletânea medieval Yatqut Shinf‘ônf (1766). As duas menções mais antigas
são do tempo de Enos, quando “se começou a invocar o nome
do Senhor” (Gn 4.26), e de Noé, que “achou graça diante do Senhor" (Gn
6.8).).
Tendo ou
não algo assim em mente, Jesus saudou Simão como Kepha, uma palavra
aramaica que significa “rocha” (A palavra hebraica correspondente êkêph, que é encontrada
com o sentido de “rocha” em Jó 30.6 e Jr 4.29.). Era por
este nome que Paulo geralmente o chamava, acrescentando um -s final (Cephas)
para adaptá-lo à língua grega (veja 1 Co 9.5, Gl 1.18, etc). Com mais
frequência, entretanto, a palavra aramaica foi traduzida para a forma grega Petros (como no nosso texto). Discussões sobre a
possível diferença no significado de petros e petra estão
fora do assunto aqui; para o nome de um homem era preciso usar a forma
masculina Petros, qualquer que fosse o seu significado.
43,44 Parece que André levou seu irmão a Jesus no entardecer do dia, cujos
eventos são descritos nos versículos 35-42. Agora, avançamos para o dia
seguinte. Mas quem resolveu partir para a Galileia, e
encontrou a Filipe ? A
primeira resposta que vem à mente é que foi Jesus. Porém, então por que o nome Jesus é inserido antes do próximo verbo, disse, como se houvesse uma mudança de
sujeito? (Esta é a sequência no texto grego.) Será que não foram André ou Pedro
que acharam Filipe, seu concidadão? (Em Marcos 1.29 fica implícito que,
quando Jesus começou seu ministério na Galileia, Pedro e André já tinham fixado
residência em Cafarnaum, a ocidente do lago (veja Jo 2.12).). Se foi André, temos um sentido adicional para a palavra “primeiro” no
versículo 41; significaria que a primeira pessoa que André encontrou e trouxe a
Jesus foi seu irmão Simão e a seguinte, Filipe. Todavia não podemos ter
certeza, por causa da ambiguidade formal da linguagem. Pode ser que Jesus,
partindo para a Galileia, deparou com Filipe voltando para casa, vindo do lugar
na Peréia onde João estava batizando, e o convidou a
juntar-se a seus seguidores. Segue-me ou venha comigo (BLH) aparece aqui pela primeira vez neste
evangelho; provavelmente devemos reconhecer um tom de autoridade na ordem: mão
no ombro e as palavras que combinam com a ação: “Você, venha comigo!”
Moffatt põe
as coisas como se Jesus tivesse achado Filipe depois de chegar à Galileia: “No
dia seguinte Jesus decidiu ir para a Galileia; ali ele encontrou Filipe e lhe
disse: Segue-me”. Mas esta não é a maneira normal de entender a narrativa.
Betsaida significa “casa do pescador” ou “cidade dos pescadores”. Ela estava
localizada um pouco para o leste do lugar onde o Jordão desemboca no lago da Galileia, talvez perto do lugar em que o porto natural de
el-‘Araj ainda existe. Um pouco antes de 2 a.C., o tetrarca Filipe
reconstruiu-a (aparentemente incluindo o povoado vizinho agora chamado et-Tell)
e chamou-a Julias, em homenagem à filha de Augusto, cujo nome era Júlia. A
referência em João 12.21 a “Betsaida da Galileia”, como cidade de Filipe, não
indica necessariamente a costa ocidental do lago; no uso popular, a Galileia
também podia incluir terras a leste do lago. (“Judas, o galileu”, mencionado em
At 5.37, na verdade era de Gamala, a leste do lago.)
45. Assim, o número de seguidores de Jesus foi
aumentando neste dia, enquanto pessoas se encontravam e compartilhavam as boas
notícias. Os outros discípulos mencionados nestes versículos constam da lista
de doze apóstolos dos evangelhos sinóticos; por isso muitos acham que Natanael
também está na lista, com o sobrenome Bartolomeu (isto é, filho de Tolomai ou
Ptolomeu). Em Mateus 10.3, Marcos 3.18 e Lucas 6.14 Bartolomeu é relacionado
com Filipe (entretanto, não em At 1.13).
O que Filipe
disse a Natanael significa praticamente a mesma coisa que André disse a Simão
(v. 41); só que, em vez de chamar Jesus de Messias, ele o descreve como alguém
de quem Moisés e os profetas escreveram. O papel de Jesus como cumpridor das
profecias do A.T. é destacado de diversas maneiras neste evangelho. Ele é o
profeta de quem Moisés falou em Deuteronômio 18.15-19 (veja o v. 21, acima);
ele é o ungido do Senhor, predito pelos profetas, que viria para instituir
justiça mundial, paz e o conhecimento e temor do Senhor. Ao referir-se a nosso
Senhor como Jesus, o Nazareno, filho de José, Filipe mencionou toda sua
identificação normal; ao nome da pessoa acrescentava-se o de seu pai
(verdadeiro ou suposto) e de sua cidade natal.
46. Natanael também era galileu, de Caná (veja
Jo 21.2). A forma de sua pergunta deixa transparecer que Nazaré (sobre a qual
recai a ênfase) não gozava de boa reputação entre os outros galileus. Não temos
outras evidências desta má impressão, mas ela não é surpreendente, já que a
cidade era de pouca importância. Ela “surgiu no mapa” pelo fato de Jesus ter
passado a maior parte de sua vida ali. (A referência judaica mais antiga é uma
inscrição escavada em Cesaréia, em 1962, que alista os lugares na Galileia
para onde emigraram membros das vinte e quatro ordens sacerdotais depois que
uma cidade pagã foi construída no lugar de Jerusalém em 135 d.C.) (Veja M. Avi-Yonah, “The
Caesarea Inscription of the Twenty-Four Priestly Courses” em The Teachefs Yoke, ed E. J. Vardaman e J. L.
Garrett (Waco, Texas, 1964), pp.46-57. Foi somente do quarto século d.C. em
diante que Nazaré passou a ter alguma importância, mas há vestígios de
povoação tão antigos quanto a Idade Média do Bronze (entre 2000 e 1550 a.C.).). Pessoas que moram no interior sabem como um pequeno povoado pode ter
uma péssima fama entre seus vizinhos, sem que se torne conhecido por isto. Seja
como for, a pergunta zombeteira de Natanael recebeu a única resposta adequada: Vem,
e vê. Informar-se com honestidade é a melhor cura para os preconceitos.
Nazaré podia ser tudo o que Natanael pensava, mas há uma exceção que põe à
prova toda regra; e que exceção este jovem achou!
47. Para surpresa de Natanael, Jesus, ao vê-lo,
saudou-o como se o conhecesse muito bem. E que elogio Jesus lhe fez! Entendemos
melhor o objetivo do elogio da conversa que segue, com sua referência à escada
de Jacó. “Vem aí um verdadeiro filho de Israel” podemos parafrasear as palavras
de Jesus (NTV), “alguém que é completamente Israel e nem um pouco Jacó”. Seja
qual for a etimologia do nome Jacó (Deriva-se de 'ãqeb, “calcanhar”; yaTiqõb significa “ele me
ergue pelo calcanhar”, e daf, por extensão, “ele me
sobrepuja".), ele é associado tradicionalmente a
engano. Quando Isaque disse a Esaú: ‘Veio teu irmão astuciosamente (LXX dolos,
a palavra usada aqui por João), e tomou a tua bênção”, Esaú respondeu: “Não é
com razão que se chama ele Jacó (heb. ya‘aqõb)? pois já duas vezes me
enganou (ya‘acfbêni)" (Gn 27.35s.).
Apesar da
fama não invejável de Nazaré, a generosidade transparente do coração de
Natanael tornou-o disposto a vir e ver este Nazareno que Filipe dizia ser
aquele predito na lei e nos profetas. Jacó, apesar de toda a astúcia associada
a seu nome, recebeu uma visão de Deus que mudou seu caráter, e recebeu o nome
Israel para marcar esta mudança (Gn 28.10ss. 32.24-28). A palavra Israel, na
verdade, é derivada do verbo hebraico sãrãh (“lutar”), mas no primeiro
século circulava uma etimologia popular (como podemos ver em Filo de
Alexandria) que explicava o nome com a frase em hebraico 'ishtCeh-^l (“o
homem que vê Deus”); pode haver aqui uma alusão a esta etimologia, porque
Natanael, este membro típico do verdadeiro Israel crente, recebe a promessa de
que ele e seus companheiros terão uma visão como a que Jacó teve.
48. Aludindo a algo conhecido somente a
Natanael, Jesus lhe fez entender que sabia sobre ele muito mais do que poderia
imaginar. Nós só podemos supor o significado da figueira. C.F.D. Moule sugeriu
que a frase debaixo da figueira indicava “um conhecimento detalhado de
onde uma pessoa estava e do que fazia”. Talvez fosse um lugar em que Natanael
recentemente estivera meditando e recebera alguma impressão espiritual. É
impossível ter certeza.
Certamente,
a folhagem fechada da figueira tornava-a adequada para dar sombra no calor do
dia. Era debaixo de uma figueira que Agostinho estava meditando quando ouviu a
voz cantando: “Levante e leia”! e viu sua alma inundada de luz celestial ao
levantar o livro e ler as últimas palavras de Romanos 13 (Agostinho, Confissões 8.29.).
49. Qualquer dúvida que Natanael ainda tinha
desapareceu no mesmo instante. A pessoa que demonstrava um conhecimento tão
completo de passos e pensamentos, sem dúvida era aquela para quem as profecias
antigas apontavam. Ele chama Jesus pelo título de cortesia Rabi (ARC), (Mestre,
ARA), mas vai adiante dando-lhe títulos bem mais grandiosos. Na verdade ele o
está aclamando como Messias, usando dois títulos messiânicos que constam do
segundo salmo, onde Deus diz ao rei ungido de Israel, entronizado no monte
santo Sião: “Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (Sl 2.6s.). Quando o
evangelista escreveu, a expressão o Filho de Deus tinha um sentido
muito mais profundo, mas não precisamos supor que Natanael, num estágio tão
inicial de sua carreira como discípulo, tenha querido dizer muito mais do que
simplesmente “Rei de Israel”; era uma alternativa para indicar o Messias.
Todavia, no contexto do relato do evangelho, os dois títulos transmitem ao
leitor um significado mais completo do que aquele que Natanael poderia ter-lhes
dado.
50,51. As palavras
de Jesus sobre a experiência de Natanael debaixo da figueira demonstraram seu
conhecimento sobrenatural, mas Natanael seria confrontado com provas muito mais
maravilhosas e conclusivas da verdadeira identidade de Jesus. E não só ele: no versículo
51 a transição da segunda pessoa do singular para a segunda do plural (vereis)
indica que seus colegas teriam as mesmas experiências.
Ao anunciar
umas destas maiores coisas, Jesus pela primeira vez neste evangelho usa
sua palavra característica de afirmação solene, Amém (traduzida em
verdade na ARA e BJ, na verdade na ARC e IBB). Nos evangelhos
sinóticos a frase em verdade, em verdade vos digo só tem um amém', a
repetição é uma característica joanina, como aqui (A BLH traduz o
“Amém" duplo por “eu afirmo”. De acordo com B. Lindars, a expressão é “um sinal repetido de que João faz uso de um dito de
Jesus retirado de seu estoque de material tradicional” (Behind
the Fourth Gospei, Londres, 1971, p.44).). Amém,
em sua origem, é uma palavra hebraica que significa “constante” ou “certo”; da
mesma raiz vêm as palavras hebraicas que indicam “fé”, “fidelidade” e
“verdade”. Ela era usada na liturgia (veja Sl 41.13, etc.) para expressar a
certeza de que uma oração (p. ex. para que o nome de Deus seja glorificado)
seria ouvida. Na boca de Jesus ela confirma a certeza e confiabilidade do que
ele diz, e foi preservada sem tradução na igreja de fala grega como sua ipsissima
vox, que indica sua autoridade especial.
As palavras
que se seguem podem ser um paralelo joanino à predição sinótica do dia em que o
Filho do Homem seria manifesto nas nuvens do céu “com grande poder e glória”
(Mc 13.26,14.62) (A frase “filho do homem" é uma figura de linguagem hebraica e
aramaica que significa simplesmente “um homem”, “um ser humano”. Em aramaico, o
idioma que Jesus parece ter falado geralmente, “o Filho do homem” significa
simplesmente “o Homem”. Às vezes, Jesus pode ter usado esta expressão em
substituição ao pronome “eu” (veja sobre Jo 3.27), mas geralmente um significado
mais amplo está implícito. A forma grega ho hyios tou anthrõpou aparece no N.T.
somente em referência a Jesus e quase sempre na sua própria boca. Somente uma
vez (Jo 5.17) ele a usa sem o duplo artigo definido.). No presente texto a ideia é tirada do relato da visão de Jacó em
Betel, quando ele viu “posta na terra uma escada, cujo topo atingia o céu; e os
anjos de Deus subiam e desciam por ela” (Gn 28.12) (É possível traduzir
o hebraico: “...os anjos de Deus subindo e descendo
sobre ele (Jacó)". De acordo com uma
tradição rabínica preservada no comentário posterior Genesis
Rabba 69.7 (sobre Gn 28.17), a escada de Jacó estava no lugar do futuro
templo; isto implica em entender Betel em termos etimológicos (“a casa de
Deus”), e não geográficos.). Nesta
aplicação da visão de Jacó, no entanto, a ligação entre céu e terra é feita
pelo Filho do Homem; ele é o mediador entre Deus e a raça humana (No Sl 8.4 “o filho
do homem” (heb. ben "adam) forma um
paralelismo sinônimo com “homem” (heb. 'êriõsh), e as duas
expressões são usadas em termos genéricos.). E não só
isto: a ocasião para a qual as palavras de Jesus apontam é nada menos que sua
crucificação. Em outra oportunidade, mais tarde, ao falar para uma audiência de
Jerusalém, ele disse: “Quando levantardes o Filho do homem, então sabereis que
eu sou” (Jo 8.28). “Ser levantado” é sua exaltação, apesar de a intenção de
seus inimigos ser sua degradação; a cruz é a manifestação suprema da sua
glória. Através da cruz, o céu é amplamente aberto, Deus aproxima-se do ser
humano e este é reconciliado com Deus.
O patriarca
santo teve um sonho sem igual; assim a cruz do Salvador é escada para o céu.
A
identificação Filho do homem parece não ter sido um título costumeiro do
Messias ou algum outro personagem escatológico. Por isso, Jesus podia usá-lo
para si sem correr o risco de ser mal entendido devido a associações de ideias
que pudessem ter influenciado a concepção do seu significado em seus ouvintes.
Ele tinha toda a liberdade de assumir a expressão e preenchê-la com o
significado que quisesse.
É provável
que a expressão tivesse um antecedente veterotestamentário na frase “um como o
Filho do homem” (ou seja, um ser parecido com um homem) que, na visão que
Daniel teve do dia do julgamento, estava investido de autoridade divina
universal (Dn 7.13,14). Jesus enriqueceu-a ao fundi-la com a figura do sofredor
justo, retratada aqui e acolá no A.T., não por último nos “Cânticos do Servo”
de Isaias 42.1-53.12. Desta maneira ele podia falar do sofrimento do Filho do
homem como de algo que estava “escrito” sobre ele. Através do seu sofrimento e
da sua recompensa, Jesus, o Filho do homem, tornou-se o libertador e advogado
do seu povo.
Alguns
estudiosos dos evangelhos sinóticos distinguem entre passagens que falam do
sofrimento do Filho do homem e as que falam da sua vinda em glória. Neste
evangelho não há tal distinção; o sofrimento do Filho do homem é absorvido
pela glória, de modo que a glória revela-se principalmente no sofrimento (veja
Jo 12.23).
Bibliografia
F. F. Bruce
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