Introdução
Apocalipse
Alguém disse acerca do livro de
Apocalipse: “Ele é ao mesmo tempo o livro mais respeitado, o mais
incompreendido e o mais negligenciado dos escritos do Novo Testamento”.’ Ele
tem sido chamado de “o livro mais abusado da Literatura Cristã”. Barclay
observa: “O Apocalipse é notoriamente o livro mais difícil do Novo Testamento”.
A veracidade dessa declaração é
ressaltada pelo fato de Calvino se abster de escrever um comentário desse
livro. Adam Clarke, quando chegou até o livro de Apocalipse, quase decidiu não
escrever acerca do mesmo. Ele finalmente concordou com essa complexa tarefa,
mas se expôs à difícil situação de citar longos textos de outro autor. Os
sentimentos de Clarke são expressos nestas palavras: Estou satisfeito em saber
que ainda não foi descoberto um modo certo de interpretar as profecias desse
livro, e não vou acrescentar um outro monumento à insignificância ou insensatez
da mente humana ao empenhar-me em iniciar um novo estudo.
Vou repetir o que já disse, não
entendo esse livro; e estou satisfeito em saber que ninguém que escreveu a
respeito desse assunto sabe mais do que eu E...] Eu havia resolvido, por um
tempo considerável, não ocupar-me com esse livro, porque previ que não poderia
produzir nada satisfatório acerca do mesmo [...] Mudei minha decisão e
acrescentei breves notas, principalmente filológicas, nos trechos em que achei
que entendi o significado.
John Wesley chama atenção ao
grande valor dos capítulos de abertura e conclusão de Apocalipse, e acrescenta:
“Mas deixei de estudar as partes intermediárias por muito anos, sem esperança
de entendê-las, após as tentativas infrutíferas de tantos homens sábios e bons;
e talvez deveria ter vivido e morrido com esse sentimento, se não tivesse
conhecido as obras do grande Bengelius”.’ Wesley então decidiu prover um resumo
das notas de Bengel. Mas esse grande comentarista alemão caiu na armadilha de
definir datas (e.g., 18 de junho de 1836, para a destruição da besta). Spurgeon
adverte: “Se um expositor tão magnífico vagueia dessa forma, isso deveria
servir de advertência para homens menos instruídos”.
Autoria
No início e no fim o livro afirma
ter sido escrito por um homem chamado João (1.1, 4,
9; 22.8). Mas quem era esse João?
Essa pergunta tem causado muita discussão.
Evidências
Externas
Em sua monumental obra de três
volumes, New Testament Introduction (Introdução ao Novo Testamento), Guthrie
mostra que o livro de Apocalipse foi citado amplamente pelos Pais da igreja
como tendo sido escrito pelo apóstolo João. Ele diz: “No segundo e terceiro
séculos, os seguintes autores claramente acreditavam na autoria apostólica:
Justino, Irineu, Clemente, Orígenes, Tertuliano e Hipólito”. Guthrie afirma que “existem poucos livros no
Novo Testamento com uma atestação primitiva mais forte do que o Apocalipse”.’
O testemunho mais antigo é de
Justino, o Mártir (e. 150 d.C.). Em seu Dialogue with Trypho the Jew (Diálogo
com Trifo, o judeu, LXXXI), ele diz: “Além do mais, um homem entre nós chamado
João, um dos apóstolos de Cristo, recebeu uma revelação e predisse que os
seguidores de Cristo habitariam em Jerusalém por mil anos”.9
Evidência
Interna
A situação torna-se um tanto mais
complicada quando nos voltamos para o próprio testemunho do livro. O problema
está na diferença de linguagem e estilo entre o Evangelho e as epístolas de
João de um lado e o Apocalipse do outro. Isso foi percebido por Dionísio, um
famoso bispo de Alexandria (morreu em 264 d.C.). Ele escreveu:
Também
podemos notar como a fraseologia do Evangelho e das epístolas difere do livro
de Apocalipse. O Evangelho e as epístolas são escritos não só de maneira
irrepreensível, no que tange à linguagem, mas são também elegantes na fluência,
nos argumentos e em toda a estrutura de estilo [.1 Não nego que o autor do
Apocalipse teve uma revelação e recebeu conhecimento e profecia. Mas percebo
que tanto o seu dialeto quanto a sua linguagem não podem ser considerados um
grego muito requintado; o autor, na verdade, usa expressões bastante impuras.”
Por essa e outras razões, Dionísio
entendeu que o Apocalipse não foi escrito pelo mesmo João que escreveu o quarto
Evangelho e 1 João. Mas ele foi cuidadoso ao expressar a sua convicção e disse
que o Apocalipse foi obra “de um homem santo e inspirado”.
O estilo de Apocalipse é descrito
por Wikenhauser nestes termos: “O autor escreve em grego, mas pensa em
hebraico; ele freqüentemente traduz expressões hebraicas literalmente para o
grego. Irregularidade gramatical e estilística é a regra nesse livro”.
Guthrie tem o seguinte comentário
acerca do autor de Apocalipse: “Ele coloca nominativos em oposição [aposição?1
com outros casos, usa particípios de maneira irregular, constrói frases
quebradas, acrescenta pronomes desnecessários, mistura gêneros, números e casos
e introduz diversas construções incomuns”.
De que maneira podemos explicar
essa diferença de linguagem? Westcott acredita que o livro de Apocalipse foi
escrito bem cedo e acha que o contato próximo posterior com pessoas de fala
grega tornou possível para João usar o grego refinado encontrado no
Evangelho.’4 Mas, como vamos ver mais tarde, é preferível datar os dois livros
mais ou menos no mesmo período.
Zahn sugere uma explanação mais
válida. Ele diz que o fenômeno lingüístico de Apocalipse é devido, em parte, “à
dependência das próprias visões e de sua forma literária baseada no modelo dos
escritos proféticos do Antigo Testamento”. Esse argumento parece válido pelo
fato de nenhum outro livro do Novo Testamento fazer um uso tão abundante do
Antigo Testamento. Em sua tradução do Novo Testamento, Beck fornece no final de
cada livro uma lista de referências do Antigo Testamento que são citadas ou
aludidas de forma clara no livro em análise. No final de Apocalipse, ele
apresenta quase 300 referências dos livros proféticos do Antigo Testamento —
incluindo aproximadamente 70 referências de Daniel, que não é classificado como
“Profeta” pelos judeus. Isso mostra que o autor de Apocalipse estava saturado
com o espírito e ensinamentos dos profetas hebreus.
O uso repetitivo de Daniel pelo
autor de Apocalipse — mais do que de qualquer outro livro do Antigo Testamento
— acrescenta mais um fator. A linguagem de Apocalipse é definitivamente
apocalíptica. Ao manter a ênfase em cataclismos e catástrofes — duas palavras
gregas apropriadas — é mais do que natural que a linguagem apocalíptica fosse
abrupta e quebrada em estilo.
Daniel é o grande apocalipse do
Antigo Testamento — junto com Ezequiel, que também é mencionado com freqüência
em Apocalipse. No período intertestamentário, apareceram muitos apocalipses
judaicos. Muito tem sido dito nos anos recentes acerca da relação entre o livro
de Apocalipse e esses apocalipses judaicos, bem como em relação aos apocalipses
cristãos dos primeiros séculos da Igreja. Inúmeros livros foram escritos nessa
área.” Mas sempre deve ser lembrado que o livro de Apocalipse é mais do que um
apocalipse; ele também é uma profecia. Bowman escreveu com propriedade:
Se
devemos encontrar um protótipo para o Apocalipse, seria mais próximo da verdade
[...1 relacioná-lo tanto em forma quanto em conteúdo ao escrito profético do
Antigo Testamento do que a qualquer literatura apocalíptica quer judaica ou
cristã que apareceu entre 175 a.C. e 100 d.C. Diferentemente dessa literatura,
João fala do seu livro como “profecia” em seis passagens e apenas uma única vez
como “apocalipse” no seu título.
Há ainda uma outra possibilidade
que deveria ser considerada. João provavelmente escreveu seu Evangelho e
epístolas em Efeso, onde teria os serviços de excelentes copistas (secretários)
gregos. Mas se ele escreveu o livro de Apocalipse na ilha de Patmos, como
parece ter sido o caso, ele próprio teria de escrever o livro. O estilo grego
rústico seria então o seu próprio.
Na verdade, as diferenças na
linguagem entre o Apocalipse e o Evangelho e as epístolas de João têm sido
grandemente exageradas. Guthrie observa que “apesar das diferenças lingüísticas
e gramaticais, o Apocalipse apresenta uma afinidade maior com o grego dos
outros livros de João do que com qualquer outro livro do Novo Testamento”.’
O que com freqüência tem passado
despercebido é o fato de haver uma série de afinidades marcantes entre o
Apocalipse e o Evangelho de João. Guthrie chama a nossa atenção para um ponto
importante: “Os dois livros usam a palavra ‘Logos’ para referir-se a Cristo,
uma expressão que não é usada em nenhuma outra parte do Novo Testamento além da
literatura joanina (Jo 1.1; Ap 19.13)”.” Mais uma comparação é:
“Existe um gosto perceptível por
antíteses nos dois livros”. Westcott já tinha chamado a atenção para esse
detalhe em seu comentário acerca do Evangelho de João, em que escreveu: “Ambos
apresentam uma visão de um conflito supremo entre os poderes do bem e do mal”. Ele
acrescenta: “No Evangelho, as forças opositoras são apresentadas debaixo de
formas abstratas e absolutas, como luz e trevas, amor e ódio; no Apocalipse,
debaixo de formas concretas e definidas, Deus, Cristo e a Igreja guerreando com
o diabo, o falso profeta e a besta”. Essas e outras afinidades tendem a apoiar
uma autoria comum.
As vezes se toma como certo que
todos os estudiosos do Novo Testamento hoje em dia rejeitam completamente a
idéia de que o Apocalipse foi escrito por João, filho de Zebedeu. Mas, isso não
é verdade. Stauffer escreve: “Em vista de tudo isso, temos base suficiente para
atribuir esses cinco escritos a um autor comum, de uma individualidade marcante
e grande significância, e identificá-lo como o apóstolo João”. Alan Richardson
diz concernente ao Evangelho: “A evidência, tal como a encontramos, não exclui
a possibilidade de que a tradição que conecta o quarto Evangelho ao nome de
João, filho de Zebedeu, esteja certa, afinal”.24 E, em relação ao Apocalipse?
Ele diz: “Hoje pode ser seriamente sustentado que o autor de Apocalipse não é
ninguém mais do que o próprio autor do quarto Evangelho, adotatdoo. estilo e
imagem convencional da literatura apocalíptica judaica da época como o
instrumento de comunicação da sua ‘profecia’ a uma igreja perseguida”
DATA
Duas datas principais para a
composição de Apocalipse têm sido sugeridas. Uma é
em torno de 65 d.C., quando os
cristãos estavam sendo perseguidos por Nero. A outra é em torno de 95 d.C.,
durante as perseguições realizadas por Domiciano. O grande triunvirato de
Cambridge — Lightfoot, Westcott e Hort — acreditava que o Apocalipse foi
escrito durante o tempo de Nero. Mas, como Swete observa: “A primitiva tradição
cristã é quase unânime em atribuir o Apocalipse aos últimos anos de Domiciano”.
Iríneu é a testemunha antiga mais
importante. Conforme é citado por Eusébio, ele diz no quinto livro de Against
Heresies (Contra Heresias): “Se, no entanto, fosse necessário proclamar o seu
nome [i.e., Anticristo] abertamente no tempo presente, seria declarado por ele
que teve a revelação, porque não faz muito tempo que foi visto, quase em nossa
própria geração, no fim do reinado de Domiciano”. A maioria dos Pais da igreja
posteriores segue a interpretação de Irineu.
Há uma série de argumentos que
apóiam essa data posterior. Um argumento diz que o livro de Apocalipse parece
claramente refletir a presença da adoração ao imperador na província da Asia.
Embora haja evidência da divinização extra-oficial e adoração de imperadores
mais antigos, “não houve nenhuma tentativa oficial de reforçar o culto até a
última parte do reinado de Domiciano”.
Mais um argumento é a severidade
da perseguição refletida no livro de Apocalipse (1.9; 2.12; 3.10; 6.9). Com
relação a Domiciano, Guthrie escreve: “Esse imperador mandou matar seu parente
Flávio Clemente e baniu a esposa dele com a acusação de sacrilégio (atheotes),
o que fortemente sugere que isso ocorreu por causa do cristianismo, visto que a
esposa, Domitilia, é conhecida, de inscrições, como tendo sido cristã”. O
quadro apresentado no Apocalipse parece encaixar-se melhor no reinado de
Domiciano.
Um terceiro argumento citado com
certa freqüência é o mito da ressurreição de Nero. Após a morte desse imperador
maníaco em 68 d.C., surgiu uma lenda de que ele continuava vivo e que voltaria
como líder à frente de um exército de partos para invadir o Império Romano.
Swete comenta: “A lenda, na verdade, não surgiu sem um correlativo histórico.
Quando o Apocalipse foi escrito achavam que Nero tinha, na verdade, voltado na
pessoa de Domiciano”.
Alguns acreditam que Apocalipse
13.3 e 17.8 se referem à lenda a respeito de Nero.
McDowell afirma: “E claro que o
autor de Apocalipse não acreditava nesse mito, mas parece bastante provável que
ele o empregou em conexão com o seu simbolismo”.3’
Uma data no reinado de Nero (e.
65 d.C.) não pode ser descartada. Mas, de acordo com
os argumentos acima e
especialmente à luz da forte tradição da Igreja Primitiva, parece- nos mais
sensato ficar com uma data na última parte do reinado de Domiciano (e. 95
d.C.).
Destinatários
O livro foi dirigido às “sete
igrejas que estão na Ásia” (1.4); isto é, a província da Asia, no lado
ocidental da Asia Menor (veja mapa 1). As sete igrejas são mencionadas em 1.11.
Propósito
O propósito principal era
confortar e encorajar os cristãos nas suas perseguições presentes e nas futuras
ao assegurar-lhes o triunfo final de Cristo e seus seguidores. Também era
necessário advertir as igrejas contra falhas na doutrina ou na prática cristã.
Estrutura
Que o livro de Apocalipse é
altamente dramático dificilmente pode ser questionado por qualquer leitor atento.
Até que ponto esse fenômeno afeta a estrutura do livro?
Bowman tornou esse o fator
dominante. Depois de notar que a forma de carta ou epístola se aplica
particularmente à saudação de abertura em 1.4-6 (1.1-3 sendo o título do livro)
e à bênção final (22.21), ele trata do restante do livro como um drama
literário. Entre o Prólogo (1.7-8) e o Epílogo (22.6-10) ele encontra sete
atos, cada um com sete cenas.32 Todo o esquema é realizado com grande
engenhosidade — demais para alguns críticos! Mas o quadro como um todo causa
grande impacto e torna o livro de Bowman uma leitura muito interessante.
McDowell começa o drama com o
capítulo 4 e sugere dois atos, com sete cenas cada. Kepler encontra “sete atos
e dez cenas”. Embora esses esboços difiram um pouco em detalhes, todos eles
salientam o fato de que sete é o número predominante em Apocalipse. Há sete
cartas, sete selos, sete trombetas e sete taças. Poderia parecer que os selos,
as trombetas e as taças não representam séries sucessivas de julgamentos, mas
deveriam ser interpretados em termos de repetição e revisão. Erdman resume a
estrutura do livro desta forma:
Na
verdade, contraste e repetição e clímax são traços evidentes na estrutura
literária do livro. No entanto, o aspecto mais distinto é o da simetria. Cada
uma das cartas às sete igrejas segue o mesmo esquema literário exato. Todas as
sete igrejas formam uma seção descritiva da Igreja em sua imperfeição e perigo
atual. Com esses capítulos o livro abre, e, com equilíbrio poético, fecha com a
figura da Nova Jerusalém, nos dois capítulos contendo a visão da Igreja,
perfeita e gloriosa.
Nas
cinco seções centrais há a mesma ordem harmoniosa e artística. Duas seções, dos
selos e das trombetas, descrevem revolução e catástrofe, das quais naturalmente
emergem os grandes antagonistas cujo conflito forma o ponto central da ação
dramática, enquanto as duas seções das taças e julgamentos retratam vivida-
mente a destruição dos inimigos de Cristo e preparam para a imagem final da sua
Igreja aperfeiçoada no esplendor da “nova terra”.
Elaboração pelo:- Evangelista
Isaias Silva de Jesus
Igreja Evangélica Assembléia de
Deus Ministério Belém Em Dourados – MS
Fonte:- Comentário Bíblico Beacon
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