Os Dons Espirituais
O reavivamento e crescimento do Cristianismo ao redor do globo, especialmente nos países do Terceiro Mundo, é um testemunho poderoso de que os dons espirituais estão operando na promoção do Reino de Deus. O Movimento Pentecostal/Carismático cresceu de 16 milhões, em 1945, a 405 milhões, até 1990.’ As dez maiores igrejas no mundo pertencem a esse movimento.
A exegese de todos os textos do Novo Testamento concernentes aos dons espirituais está além do escopo deste capítulo.2 Meu enfoque recairá nos principais ensinos de Paulo a respeito dos dons na Igreja e no viver diário do crente, sobre como se relacionam os dons e os frutos e a maneira de exercer os dons. O ensino bíblico sem a prática é decepcionante; a prática sem o ensino sólido é perigosa. Por outro lado, o estudo deve levar à prática, e a prática pode iluminar o estudo.
O batismo no Espírito Santo é estudado no capítulo 13 deste livro. Mesmo assim, preciso enfatizar três propósitos chaves no derramamento do Espírito no dia de Pentecostes.
Primeiro, os crentes foram equipados com poder para realizar a obra de Deus, como nos dias do Antigo Testamento. A unção do Espírito, no Antigo Testamento, abrangia todos os ministérios que Deus quisesse suscitar: sacerdotes, artífices para o tabernáculo, líderes militares, reis, profetas, músicos. O propósito da unção era equipar as pessoas para o serviço. E nesse contexto que Lucas e Atos consideram a unção do Espírito. Em Lucas 1 e 2, uma unção repousava sobre dois idosos sacerdotes: Zacarías e Simeão. Duas mulheres, Isabel e Maria, foram ungidas para, milagrosamente, ter filhos e criá-los. João Batista era cheio do Espírito desde o ventre da mãe, não para ser sacerdote, como o pai, mas profeta e precursor do Messias. Semelhantemente, em Atos, o enfoque recai sobre a unção que revestiu de poder a Igreja e transformou o mundo.
Em segundo lugar, são todos sacerdotes nessa nova comunidade. Desde que começou como nação, Deus desejava que Israel fosse um reino de sacerdotes e uma nação santa (Ex 19.5,6). Os deveres dos sacerdotes incluíam a adoração, a oração, o ensino, a edificação, a reconciliação, o aconselhamento, tudo com muito amor. Era seu dever também construir relacionamentos e levar a Deus as pessoas que sofriam. Do mesmo modo, os crentes em Cristo, “como pedras vivas, são edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecerdes sacrifícios espirituais, agradáveis a Deus, por Jesus Cristo” (1 Pe 2.5).
Em terceiro lugar, essa comunidade é profética. Moisés disse a Josué: “Tomara que todo o povo do Senhor fosse profeta, que o Senhor lhes desse o seu Espírito!” (Nm 11.29). Joel falou da vinda do Espírito sobre toda a carne para profetizar (JI 2.28,29). Jesus identificou seu próprio ministério como profético (Is 61.1-3; Lc 4.18,19). Pedro equiparou a experiência no dia de Pentecostes ao cumprimento da profecia de Joel (At 2. 16-18).
Paulo disse: “Porque todos podereis profetizar, uns depois dos outros, para que todos aprendam e todos sejam consolados” (1 Co 14.31). Claramente a Igreja desempenha papel profético ao levar a presença de Deus e a sua poderosa Palavra aos pecadores, às questões éticas, às nações e aos indivíduos.
Paulo vai além do contexto de Lucas e Atos. Ele focaliza a ativação dos dons, o aprimoramento do fruto, o andar no Espírito e a edificação dos crentes da igreja local até a maturidade. Paulo considerava a Igreja um organismo interdependente e interativo — tendo Cristo por cabeça — andando na retidão e no poder, antecipando a alegria pela volta do Senhor. Para captarmos o conceito paulino de Igreja, precisamos compreender os dons.
A IGREJA MEDIANTE A EXPRESSÃO DOS DONS
Os pensamentos mais profundos de Paulo estão registrados nas suas epístolas às igrejas em Roma, Corinto e Efeso. Estas igrejas eram instrumentos da estratégia missionária de Paulo. Romanos 12, 1 Coríntios 12 e 13 e Efésios 4 foram escritos a partir do mesmo esboço básico.3 Embora fossem igrejas diferentes, são enfatizados os mesmos princípios. Cada texto serve para lançar luz sobre os demais. Paulo fala do nosso papel no exercício dos dons, do exemplo da unidade e diversidade que a Trindade oferece, da unidade e diversidade no corpo de Cristo, do relacionamento ético — tudo à luz do último juízo de Cristo.
O contexto dessas passagens pararalelas é a adoração. Depois de uma exposição das grandes doutrinas da fé (Rm 1— 11), Paulo ensina que o modo apropriado de corresponder a elas é mediante uma vida de adoração (Rm 12 — 16). Os capítulos 11 a 14 de 1 Coríntios também se referem à adoração.
Os capítulos 1 a 3 de Efésios apresentam uma adoração em êxtase. Efésios 4 revela a Igreja como uma escola de adoração, onde aprendemos a refletir o Mestre supremo. Paulo considera os seus convertidos apresentados em adoração viva diante de Deus (Rm 12.1,2; 2 Co 4.14; Ef 5.27; Cl 1.22,28). Conhecer a doutrina ou corrigir as mentiras não basta. A totalidade da nossa vida deve louvar a Deus. A adoração está no âmago do crescimento e reavivamento da igreja.
Estude o gráfico a seguir. Note o fluxo do argumento, as semelhanças e propósitos que Paulo tem em mente. Em seguida, examinaremos os princípios-chaves desses textos bíblicos.
NATUREZA ENCARNACIONAL DOS DONS
Os crentes desempenham um papel vital no ministério dos dons. Romanos 12.1-3 nos diz para apresentarmos nosso corpo e mente como adoração espiritual e que testemos e aprovemos o que for a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
Semelhantemente, 1 Coríntios 12.1-3 nos adverte a não perdermos o controle do corpo e a não sermos enganados pela falsa doutrina, mas deixar Jesus ser Senhor. E Efésios 4.1-3 nos recomenda um viver digno da vocação divina, tomar a atitude correta e manter a unidade do Espírito.
Nosso corpo é o templo do Espírito Santo e, portanto, deve estar envolvido na adoração, Muitas religiões pagãs ensinam um dualismo entre o corpo e o espírito. Para elas, o corpo é mau, uma prisão, ao passo que o espírito é bom e precisa ser liberto. Essa opinião era comum no pensamento grego.
Paulo conclama os coríntios a não se deixarem influenciar pelo passado pagão. Antes, perdiam o controle; como conseqüência, podiam dizer qualquer coisa e alegar que ela provinha do Espírito de Deus. O contexto bíblico dos dons não indica nenhuma perda de controle. Pelo contrário, à medida que o Espírito opera através de nós, temos mais controle do que nunca. Entregamos nosso corpo e mente a Deus como instrumentos a seu serviço. Oferecemos-lhe a mente transformada e a colocamos debaixo do senhorio de Cristo, num espírito meigo e disciplinado, para deixar Deus operar através de nós. Efésios 4.1-3 diz-nos que as atitudes certas levam ao ministério eficaz. Por isso, o corpo, a mente e as atitudes ficam sendo instrumentos para a glória de Deus.
Há várias teorias a respeito da natureza do dons do Espírito. Uma delas entende que os dons são capacidades naturais. Por exemplo: o cantor tem o dom da música, e o médico (através da ciência), o dom da cura. Mas o talento humano, isoladamente, nunca poderá transformar o mundo. Outra teoria entende que os dons são totalmente sobrenaturais. Nega o envolvimento humano, afirmando que o Espírito ignora a mente do homem. Entende que a carne é iníqua, capaz apenas de distorcer as coisas. Aqui, o perigo é que poucos terão coragem de exercer os dons. A maioria se sentirá indigna, e considerará os dons místicos ou além da sua compreensão. Terão medo de cometer um engano. Mas ter dom não é comprovação de santidade ou de conquistas espirituais.
A terceira teoria é bíblica. Os dons são encarnacionais. Isto é, Deus opera através dos seres humanos. Os crentes submetem a Deus sua mente, coração, alma e forças. Consciente e deliberadamente, entregam tudo a Ele. O Espírito, então, os capacita de modo sobrenatural a ministrar acima das suas capacidades humanas e, ao mesmo tempo, a expressar cada dom através de sua experiência de vida, caráter, personalidade e vocabulário, Os dons manifestos precisam ser avaliados. Isto não diminui em nada a sua eficácia, pelo contrário, dá à congregação a oportunidade de testar, pela Bíblia, sua veracidade e valor para a edificação.
O princípio encarnacional é visto na revelação de Deus à raça humana. Jesus é Emanuel, Deus conosco (plenamente Deus e plenamente humano). A Bíblia é ao mesmo tempo um livro divino e um livro humano. E divina, inspirada por Deus, autorizadora e inerrante. E humana, pois reflete os antecedentes, situações vivenciais, personalidades e ministérios dos escritores. A Igreja é uma instituição tanto divina quanto humana. Deus estabeleceu a Igreja, pois de outra forma ela nem existiria. Apesar disso, sabemos que a Igreja é bastante humana. Deus opera através de vasos de barro (2 Co 4.7). O mistério que permaneceu oculto através das gerações e agora foi revelado aos gentios é “Cristo em vós, esperança da glória” (Cl 1.27).
Não precisamos ter medo. O que Deus ministra através de sua vida, ministério e personalidade talvez seja diferente do que Ele ministra através dos outros. Não devemos pensar que estamos garantindo a perfeição quando temos um dom espiritual. Isto pode ser avaliado por outras pessoas, com amor cristão. Basta sermos vasos submissos, buscando edificar o corpo de Cristo. Ao invés de focalizarmos a nossa atenção na dúvida — se um dom é totalmente de Deus — façamos a pergunta mais vital: Como posso melhor atender as necessidades do próximo e alcançar os pecadores para Cristo? Somente a compreensão desse princípio deixará a Igreja livre para manifestar os dons.
UNIDADE E DIVERSIDADE NA TRINDADE
Para o leitor superficial, debater a doutrina da Trindade neste contexto talvez não dê a impressão de reforço ao argumento. Para o apóstolo Paulo, no entanto, é fundamental. Até mesmo a ordem como é listada, em 1 Coríntios 12.4- 6 e em Efésios 4.4-6, é a mesma: Espírito, Senhor, Pai. Cada Pessoa da Trindade desempenha um papel vital na manifestação dos dons. As vezes os papéis se sobrepõem parcialmente, mas, em essência, é o Pai quem supervisiona o plano da salvação e a expressão dos dons por todo o processo. Jesus nos redime e nos coloca em nossa posição no ministério da Igreja. O Espírito Santo concede os dons. As Pessoas da Deidade desempenham papéis diferentes, porém cooperam vitalmente entre si e se harmonizam numa unidade perfeita de expressão.
A Igreja deve refletir a natureza do Senhor, a quem ela serve. Não há cisma, divisão, orgulho carnal, glorificação do próprio-eu, luta pela primazia ou usurpação de direitos no âmbito da Trindade. Não devemos fazer o que nossa vontade ordena, mas o que vemos Deus fazendo (Jo 5.19). Quanta diferença faria na maneira de compartilharmos os dons! Ministrados corretamente, os dons revelam a coordenação, a unidade criativa na diversidade e a sabedoria e poder que o Espírito harmoniza. Por toda parte vemos a diversidade. A Igreja pode vir a enfrentar situações as mais diferentes. Mas podemos dispor dessa obra do Espírito, que nos harmoniza numa unidade maior, se nos prostrarmos diante do Deus de tremenda santidade, poder e propósitos.
A DIVERSIDADE DE MININISTÉRIOS
Existem muitos dons, e nenhuma das listas visa ser exaustiva. Vinte e um deles são alistados no Novo Testamento. Todos são complementares entre si: nenhum é completo em si mesmo. Por exemplo: todos os dons em Romanos 12.6-8 podem ser proveitosamente aplicados a uma situação de aconselhamento. Dons encontrados em determinada lista podem ser facilmente relacionados a dons constantes em outras relações. O dom de contribuir pode manifestar-se como misericórdia, socorros, exortação ou mesmo o martírio. Alguns dons são facilmente identificados: as línguas e a interpretação, as curas e os milagres. Outros dons, porém, como a palavra da sabedoria, a palavra do conhecimento, o discernimento de espíritos e a profecia, talvez exijam um exame cuidadoso antes de serem identificados.
O fato de nenhuma pessoa ser auto-suficiente leva à interdependência. Cada crente é um membro do corpo de Cristo; e cada membro precisa dos demais. Juntos, podem fazer o que um indivíduo sozinho jamais conseguiria. Mesmo quando as pessoas manifestam os mesmos dons, fazem-no de modo diferente e com resultados diferentes. Ninguém individualmente possui um dom na sua manifestação total. E necessária a participação de todos.
Os dons devem ser exercidos com amor, por causa do perigo de serem comunicados de modo errôneo, até mesmo por pessoas com as mais sinceras intenções. E todo dom deve ser avaliado péla igreja. Paulo é extremamente prático. Na questão dos dons do Espírito Santo, nada indica seja mera teoria. A maioria dos estudiosos classificam os dons de 1 Coríntios 12.8-10 em três categorias: revelação, poder e expressão, com três dons em cada categoria. Trata-se de uma divisão conveniente e lógica. Creio, à luz de 1 Coríntios 12.6-8 e 14.1-33, que Paulo está fazendo uma divisão funcional.”
Com base no emprego da palavra grega heteros (“outro de tipo diferente”) por duas vezes em 1 Coríntios 12.6-8, podemos ver os dons divididos em três categorias de dois, cinco e dois dons respectivamente.
Dons de Ensino (e Pregação):
A palavra da sabedoria
A palavra do conhecimento
Dons do Ministério (à Igreja e ao Mundo):
Fé
Dons de curar
Operação de maravilhas
Profecia
Discernimento de espíritos
Dons de Adoração:
Variedades de línguas
Interpretação de línguas
Essa tríplice divisão pode ser confirmada dividindo-se 1 Coríntios 14 em parágrafos. Note que Paulo acrescenta nova categoria em 1 Coríntios 14.20-25: “um sinal.., para os incrédulos” (v. 22).
A palavra da sabedoria. O ensino, a busca da orientação divina, o conselho e a luta com as necessidades práticas do governo e administração da igreja podem oferecer oportunidade para o dom de sabedoria. Mas este não deve ser limitado à adoração na igreja ou às experiências na sala de aula. Ele ensina as pessoas a crescer espiritualmente quando aplicam seus esforços ao estudo da sabedoria e fazem escolhas que levam à maturidade. Por si só, no entanto, o dom é uma mensagem, proclamação ou declaração de sabedoria, não significa que os que ministram a mensagem sejam necessariamente mais sábios que os outros.13
Nossa fé não deve depender de sabedoria humana (1 Co 2.5).
Se nos faltar a sabedoria, somos exortados a pedi-la a Deus (Tg 1.5). Jesus prometeu aos seus discípulos “boca e sabedoria a que não poderão resistir, nem contradizer todos quantos se vos opuserem” (Lc 21.15). Esta promessa refere- se a um dom sobrenatural, pois assim demonstra o seu mandamento: “Proponde, pois, em vosso coração não premeditar como haveis de responder” (Lc 21.14), Esse dom, portanto, vai além da sabedoria e preparo humanos.
A palavra da conhecimento. Este dom está relacionado ao ensino das verdades da Palavra de Deus. Não é o resultado do estudo por si só. Donald Gee descreve-o como “raios de introspecção da verdade que penetram além da operação do... intelecto humano por si só”. O conhecimento pode incluir os segredos de Deus, como a revelação da vinda próxima das chuvas, dos planos dos inimigos ou dos pecados secretos de reis e servos aos profetas do Antigo Testamento. Podemos identificá-lo também no conhecimento que Pedro tinha da mentira de Ananias e Safira e na proclamação da sentença de cegueira contra Elimas, feita por Paulo.
Fé. Oração fervorosa, alegria extraordinária e coragem incomum acompanham o dom da fé. Não se trata da fé salvífica, mas da fé milagrosa para uma situação ou oportunidade especial, tal como o confronto entre Elias e os profetas de Baal (1 Rs 18.33-35). Pode incluir a capacidade especial de inspirar fé nos outros, como fez Paulo a bordo do navio em meio à tempestade (At 27.25).
Dons de curar. Em Atos dos Apóstolos, muitos aceitaramo Evangelho e foram salvos depois de milagrosamente curados. No texto grego, a expressão inteira aparece no plural. Assim, parece que ninguém recebe o dom exclusivo da cura.
Pelo contrário, muitos dons de cura estão à disposição para satisfazer as necessidades de casos específicos em ocasiões específicas. As vezes Deus cura soberanamente, e às vezes, de conformidade com a fé do enfermo.
O que ora pelo enfermo é mero agente; o enfermo (quer tenha enfermidade física ou emocional) é quem precisa do dom e realmente o recebe. Em todas essas ocasiões, a glória deve ser dada exclusivamente a Deus. Podemos, no entanto, juntar a nossa fé com a do enfermo e, juntos, estabelecer o ambiente de amor e aceitação no qual os dons da cura fluem melhor. No corpo de Cristo há poder e força para a satisfação das necessidades de um membro fraco. A cura possui aspecto encarnacional.
Operação de maravilhas. “A operação de maravilhas” consiste em dois plurais: de dunamis (façanhas de grande poder sobrenatural) e energêma (resultados eficazes). Esse dom pode estar relacionado à proteção, provisão, expulsão de demônios, alteração de circunstâncias ou juízo. Os evangelhos registram milagres no contexto da manifestação do Reino (ou domínio) messiânico, da derrota de Satanás, do poder de Deus e da presença e obra de Jesus. A palavra grega para “milagre”, em João, enfatiza o seu valor como sinal para encorajar as pessoas a crer e a continuar crendo. Atos dos Apóstolos enfatiza a continuação dessa obra na Igreja, de monstrando que Cristo é vencedor.
Profecia. Em 1 Coríntios 14, a profecia refere-se a várias mensagens espontâneas, inspiradas pelo Espírito, numa língua conhecida a quem fala “para edificação [especialmente na fé], exortação [especialmente para avançar na fidelidade e no amor] e consolação [que anima e revivifica a esperança e a expectativa]” (14.3). Com esse dom, o Espírito ilumina o progresso do Reino de Deus, revela os segredos dos corações das pessoas e submete o pecado à convicção (1 Co 14.24,25). Um exemplo típico é Atos 15.32: “Judas e Suas, que também eram profetas, exortaram e confirmaram os irmãos com muitas palavras”.
Aqueles regularmente usados com o dom da profecia eram chamados profetas. Qualquer crente, no entanto, pode exercer esse dom. Mas deve ser aquilatado cuidadosamente (e em público) pelos “outros”, ou seja, pela congregação (1 Co 14.29). Essa avaliação deve ainda explicar qual o propósito de Deus no assunto, a fim de que todos possam aprender e tirar beneficio.
Discernimento de espíritos. A expressão inteira, no grego, apresenta-se no plural. Este fato indica uma variedade de maneiras na manifestação desse dom. Por ser mencionado imediatamente após a profecia, muitos estudiosos o entendem como um dom paralelo responsável por “julgar” as profecias (1 Co 14.29).’ Envolve uma percepção capaz de distinguir espíritos, cuja preocupação é proteger-nos dos ataques de Satanás e dos espíritos malignos (cf. 1 Jo 4.1). O discernimento nos permite empregar a Palavra de Deus e todos os demais dons para liberar o campo à proclamação plena do Evangelho.
Da mesma forma que os demais dons, este não eleva o indivíduo a um novo nível de capacidade. Tampouco concede a alguém a capacidade de sair olhando as pessoas e declarando de que espírito são. E um dom específico para ocasiões específicas.
Línguas e interpretação. O dom de línguas precisa de interpretação para ser eficaz na igreja. Alguns ensinam que, por estarem alistados em último lugar, estes dons são os menores em importância. Semelhante conclusão é insustentável. As cinco listas encontradas no Novo Testamento colocam os dons em ordens diferentes.
Através do dom de línguas, o Espírito Santo toca em nosso espírito. Achamo-nos livres para exaltar a bondade de Deus e edificamos a nós mesmos. A medida que falamos, somos edificados espiritualmente. Em seguida, quando a interpretação deixa os membros da igreja entenderem a mensagem, estes são encorajados a adorar. O louvor vem mais prontamente após as línguas e a interpretação que depois da profecia. As expressões proféticas visam mais a instrução.
A diferença básica entre o fenômeno das línguas em Atos e em 1 Coríntios está no seu propósito. Em Atos, as línguas visam a edificação pessoal, deixando evidente que os discípulos realmente haviam recebido o dom prometido do Espírito Santo, para revesti-los “do poder do alto” (Lc 24.49; At 1.4,5,8; 2.4). Não precisavam ser interpretadas. Em 1 Coríntios, o propósito era a bênção a outras pessoas na congregação, por isso era necessária a comunicação.
O Espírito Santo distribui todos os dons segundo o seu poder criador e sua soberania. O verbo “querer” (1 Co 12.11, gr. bouletai) está no tempo presente e sugere nitidamente sua personalidade continuamente criativa. Notamos, também, que a Bíblia não faz distinções herméticas entre os dons. “Encorajar” faz parte do dom da profecia em 1 Coríntios 14.3, mas em Romanos 12.8 é tratado como um dom distinto. As categorias de dons acima citadas não se excluem mutuamente. Além disso, personalidades diferentes talvez expressem os dons de modos diferentes em vários ministérios.
Em 1 Coríntios 14.1-5, o valor funcional das línguas e da interpretação pode ser comparado ao da profecia no ensino (14.6-12), na adoração (14.13-19), no evangelismo (14.20- 25) e no ministério ao Corpo (14.26-33) O ensino, o ministério do corpo de Cristo à Igreja e ao mundo e a adoração são três chaves para uma assembléia local saudável. Se possuirmos apenas duas dessas categorias estaremos em desequilíbrio, abrindo a porta a dificuldades. Se, por exemplo, tivermos ensino e ministério, sem adoração consistente, poderemos perder boa parte do impacto do reavivamento. Nosso zelo para servir pode facilmente esgotar- se. Se tivermos ensino e adoração, sem ministério prático, nossos membros ficarão preguiçosos, voltados apenas para si mesmos, ineficazes, críticos e facciosos.
Se tivermos o ministério e a adoração, sem ensino sólido, correremos o risco de cair nos extremos, no “fogo de palha”que danificará o reavivamento a curto e longo prazo. Sem essas três chaves operando conjuntamente, a igreja não poderá alcançar seu pleno potencial.
E evidente o interesse de Paulo pelos resultados práticos, que deixarão a igreja livre para o discipulado, o evangelismo, a união e a vida semelhante à de Cristo.
Em 1 Coríntios 12.4-6, Paulo ensina que há dons (gr. charismatõn) diferentes, ministérios (gr. diakoniõn) diferentes e resultados (gr. energêmatõn) diferentes. Isto é, cada dom pode ser exercido através de ministérios diferentes e produzir resultados diferentes, sendo que todos honrarão a Deus. Paulo, usando a analogia dos diferentes membros do corpo, diz que Deus distribui os membros no Corpo conforme Ele deseja, dando-nos ministérios diferentes com resultados variados, O esboço em 1 Coríntios 14 trata da função prática. Incrível diversidade, incrível praticabilidade!
Examinando os textos paralelos e acrescentando 1 Pedro 4.10,11, obtemos as 13 diretrizes que se seguem:
1. Devemos exercer o nosso ministério proporcional- mente à nossa fé.26
2. Devemos concentrar a nossa atenção nos ministérios que sabemos possuir, e aprimorá-los.
3. Devemos manter as atitudes certas: contribuir com generosidade, orientar com diligência e ter alegria em demonstrar misericórdia.
4. Todos temos funções diferentes no corpo de Cristo, e devemos compreender o relacionamento com o corpo inteiro.
5. Os dons devem edificar a todos, e não somente ao indivíduo,27
6. A ninguém cabe o senso de superioridade ou inferioridade, pois cada membro é igualmente importante.
7. Os dons são dados a nós, mas não os alcançamos por nossos méritos. A vontade e a soberania de Deus determinam essa distribuição. Sua ação específica de distribuir os dons na Igreja é demonstrada pelos seguintes verbos: “dar” (Rm 12.6; Ef 4.11) e “por” (1 Co 12.28). Paulo afirma ainda, em 1 Coríntios 12.28-3 1, que devemos concentrar nossos esforços nos ministérios que sabemos que Deus nos tem dado.
8. Ao mesmo tempo, são manifestações dadas por Deus, e não talentos humanos. Deus continua outorgando dons conforme o seu querer.28 Devemos acolher todos eles com receptividade. Se soubermos qual parte do Corpo somos e quais os nossos ministérios, poderemos canalizar com eficácia os dons.
9. Embora exerçamos um dom até à sua máxima capacidade, tudo será fútil sem o amor, Evidentemente, temos apenas o conhecimento parcial, e é só o que conseguimos compartilhar. Os dons são dados continuamente, segundo nossa medida de fé (e não uma vez por todas). Os dons devem ser testados; devem estar sujeitos aos mandamentos do Senhor. O enfoque é o amadurecimento da igreja, e não a grandeza do dom. Estas verdades devem nos levar à humildade, à estima por Deus e pelo próximo e à zelosa disposição de obedecer a Ele.
10. Ministérios de capacitação têm a função especial de deixar livres outras pessoas para exercer seus ministérios e desenvolver a maturidade. Apóstolos, profetas, evangelistas e pastores-mestres são dons à Igreja. Aparecem na ordem histórica da fundação e estabelecimento da igreja, e não segundo uma classificação qualquer de autoridade (1 Co 12.28)
11. Devemos ministrar a graça de Deus nas suas várias formas. 1 Pedro 1.6 revela que os cristãos haviam passado por tristezas as mais variadas. Deus tem uma graça especial para ministrar a cada tristeza. O ministro fiel saberá ministrar a cada necessidade. Devemos escolher com cuidado quando, onde e como melhor ministrar a graça de Deus.
12. Devemos ministrar com confiança, na força do Senhor, sem timidez e sem tentar fazer tudo pelos próprios esforços. Conceito semelhante encontramos em Romanos 12, onde o ministrar é proporcional à nossa fé. Mas Pedro ordena falarmos como se fossem as próprias palavras de Deus! (lPe4.11).
13. Finalmente, Deus deve receber toda a glória. Todos os dons são graças com que Deus tem abençoado a sua Igreja.
UM SÓ CORPO MUITOS MEMBROS
A união no corpo de Cristo baseia-se na experiência da salvação que temos em comum. Todos somos pecadores, salvos pela graça de Deus,
A analogia elaborada por Paulo, entre a Igreja e o corpo humano, talvez tenha sido por demais terrena para os coríntios, que só queriam pensar em coisas espirituais. Talvez considerassem o corpo humano pecaminoso. Mas o próprio Deus o criou. Nenhuma analogia descreve melhor a interação e interdependência da Igreja. Paulo, desde o momento da sua conversão, na estrada de Damasco, notou que perseguir a Igreja era perseguir o próprio Jesus Cristo (At 9.4).
A Igreja é nada menos que o corpo de Cristo! Paulo tinha em alto conceito a Igreja e o valor desta para Deus. Temos a sublime vocação e obrigação de edificar uns aos outros, ajudar cada membro a achar um ministério pessoal, manter abertas as comunicações entre os membros e dedicar as nossas vidas uns aos outros.
O mundo derruba e desfaz tudo. Os cristãos edificam. Mas, para fazermos assim, nós mesmos devemos ser edificados primeiro. Falar em línguas edifica a nós pessoalmente (1 Co 14.4,14,17,18). Se não formos edificados, estaremos ministrando com vasos vazios. A vida devocional de muitos cristãos modernos é lastimavelmente fraca. A oração e a adoração são nossas fortalezas interiores. Mas, se buscarmos somente a nossa edificação pessoal, ficaremos espiritualmente como esponjas que absorvem água sem passá-la adiante. Precisamos esforçar-nos para edificar outras pessoas.
“Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que for boa para promover a edificação, para que dê graça aos que a ouvem” (Ef 4.29). Um corpo sadio edifica a si mesmo, tendo a capacidade de curar as próprias feridas. A edificação deve ser o alvo supremo da Igreja, no uso dos dons. O amor edifica. O propósito dos dons é edificar. O povo de Deus deve apoiar-se mutuamente, perdoar e estender a mão uns aos outros. Quão bom exemplo semelhante ato seria diante do mundo!
A verdadeira comunhão edifica-se na empatia. Devemos alegrar-nos com os que se alegram e chorar com os que choram (Rm 12.15). Devemos ter a mesma solicitude uns para com os outros. Se uma parte sofre, as demais partes sofrem com ela; se uma parte for honrada, cada parte se regozija com ela (1 Co 12.25,26). Este modo de pensar é contrário ao pensamento do mundo, onde é mais fácil alegrar-se por causa dos que choram e chorar pelos que se alegram; isto porque a natureza humana prefere julgar os outros. Os crentes, porém, pertencem uns aos Outros. A minha vitória é motivo para você se alegrar, porque o Reino de Deus é promovido. Quando você alcança uma vitória, também eu fico animado, Efésios 4.16 demonstra o ponto culminante da empatia: o Corpo se edifica em amor, à medida que cada ligamento de apoio recebe forças de Cristo e cumpre a sua tarefa.
O termo para “apoio” (“justa operação”) é epíchorêgias, usado na literatura grega para descrever o líder de um coral tomando sobre si a responsabilidade de suprir com abundância as necessidades do seu grupo, ou um líder que supre amplamente de viveres e munições o seu exército, ou um marido que em tudo cuida da sua esposa, oferecendo-lhe sustento abundante. Se cada um cumprir a sua responsabilidade, o resultado será vitalidade e saúde. Quão grande liberação de poder acontecerá numa comunhão dessa qualidade! Milagres e curas podem facilmente surgir nesse ambiente! Se soubermos apoiar uns aos outros com mútua receptividade, deixaremos Os cristãos em melhores condições para buscar em Deus as respostas.
Todos temos personalidades, temperamentos e ministérios diferentes. Devemos assumir o compromisso de entendermos uns aos outros e de nos deixarmos mutuamente livres para ministrar. Isso leva tempo. A medida que aprendermos a respeito dos outros, começaremos a dar valor a eles, a honrá-los e a crescer na comunhão.
AMOR SINCERO
Após cada uma das exposições a respeito dos dons, Paulo elabora três belas mensagens baseadas num único esboço sobre o amor (Rm 12.9-21; 1 Co 13; Ef 4.17-32). Cada uma dessas mensagens tem suas diferenças criativas, mas os mesmos temas essenciais estão presentes.
Anders Nygren assim comenta Romanos 12: “Basta fazermos da palavra ‘amor’ o único sujeito da passagem inteira de 12.9-2 1 para vermos quão perto o conteúdo dessa seção fica de 1 Coríntios 13, Romanos 12 é uma
unidade. Paulo não está falando de dois assuntos distintos, os dons e a ética (o amor) O contexto de Romanos 12 é a urgência da hora, como o bem forçosamente triunfando sobre o mal e o viver à luz da segunda vinda de Cristo.
O povo de Deus precisa viver em relacionamentos corretos. Não se pode fazer uma divisão entre os capítulos 12 e 13 de 1 Coríntios. O contexto para o exercício dos dons é o amor. Efésios 4 enfatiza a diferença dramática entre a nossa vida anterior, como pagãos, e a nossa nova vida em Cristo. E por isso que devemos falar a verdade em amor. O amor é prático quando edificamos uns aos outros. 33 As três passagens bíblicas aqui estudadas desenvolvem temas em separado. Mesmo assim, a vitória do bem sobre o mal, o amor no exercício dos dons e a verdade no amor são todas expressões dinâmicas do amor — o exército do Messias marcha numa progressão diferente! Nossa maneira de viver é essencial para a utilização eficaz dos dons. (Estudaremos mais esse assunto na seção “O Relacionamento entre os Dons e o Fruto”.)
O JUIZO FINAL
Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor. Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá- lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça. Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem (Rm 12.19-21),
Mas, quando vier o que é perfeito, então, o que o é em parte será aniquilado... Porque, agora, vemos por espelho em enigma; mas, então, veremos face a face; agora, conheço em parte, mas, então, conhecerei como também sou conhecido (1 Co 13.10,12).
Até que todos cheguemos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo... cresçamos em tudo naquele que é a cabeça, Cristo... E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o Dia da redenção (Ef 4.13,15,30).
O exame dos versículos acima demonstra que todos as menções ao amor encontram-se no contexto da conduta cristã à luz da segunda vinda de Cristo. Não temos alicerçada a nossa ética na filosofia, na cultura ou na conveniência, mas na justiça de Deus, tendo em vista o derradeiro juízo. Os teólogos chamam a isso conduta escatológica.
A citação em Romanos 12.20 provém da literatura sapiencial do Antigo Testamento (Pv 25.2 1,22).
Nas passagens a respeito do amor, Paulo cita Jesus, a Lei, a literatura sapiencial, e revela solicitude profética pelos pobres e necessitados. Essa é a sabedoria de Deus. “Amontoar brasas de fogo sobre a cabeça” talvez retrate uma prática egípcia de a pessoa carregar na cabeça uma panela de brasas vivas como penitência. Se for assim, Paulo está dizendo que, mediante o amor, podemos levar a pessoa ao arrependimento. Que o inimigo saiba que está lutando contra Deus, e não contra nós. Não queremos derrotar nossos inimigos humanos; queremos ganhá-los para o Senhor! Não devemos sucumbir às pressões de Satanás. A guerra é entre o mal e o bem, Somente poderemos vencer o mal com o bem. 1 Coríntios prevê tempos de esclarecimento total, nos quais veremos face a face e conheceremos plenamente assim como somos plenamente conhecidos. E o dia da vinda do Senhor. E o Dia do Juízo! Todas as nossas ações serão julgadas segundo os padrões divinos (Rm 2.6,16).
Em Efésios, há fartas referências às últimas coisas profetizadas. Paulo fala do estágio futuro da maturidade plena e sobre o dia da redenção. Somos selados pelo Espírito até aquele dia (Ef 4.13,15,30). Mas, até então, os dons são o poder que Deus nos dá a fim de cumprirmos a tarefa de nos edificarmos mutuamente e influenciar o mundo. O que Paulo ordena em todas as partes da Epístola aos Efésios exige mudança radical, dramática e urgente. Devemos aproveitar ao máximo todas as oportunidades (Ef 5.16). Cristo deseja apresentar a si mesmo uma Igreja radiante (Ef 5.27). Escravos e senhores têm um Senhor no Céu, diante de quem terão de prestar contas (Ef 6.9). E, no fim, a expressão “finalmente”, ou “no demais” (Ef 6.10), pode ser uma referência aos derradeiros dias, quando chegar “o dia mau” (Ef 6.13).
Os textos paralelos de Romanos 12, 1 Coríntios 12 e 13 e Efésios 4 focalizam o modo de viver do crente cheio do Espírito — procurando seu lugar no corpo de Cristo, exercendo os dons com amor, testemunhando e servindo, tudo como antegozo da vinda do Senhor. Este é o propósito e vocação da Igreja. A Igreja é uma escola. Quando os crentes se reúnem, aprendem a ministrar dons espirituais e a ser discípulos de Cristo, Saindo para ministrar ao mundo, aplicam o poder de Deus às situações da vida. Devemos ser receptivos à voz do Espírito, que pode falar através de nós a qualquer momento.
AS FUNÇÕES DOS DONS
Paulo faz um contraste entre o valor das línguas e o da profecia em quatro funções diferentes, em 1 Coríntios 14: o ensino (vv. 6-12), a adoração (vv. 13-19), os sinais para o descrente (vv. 19-25) e o ministério à igreja local (vv. 26- 33). Ele admoesta contra o abuso dos dons e oferece diretrizes positivas ao seu exercício. Resumi abaixo as instruções essenciais.
A comunicação é complexa. A comunicação nítida fortalece (14.3). E fácil entender erronearnente intenções, atitudes e palavras. Somos imperfeitos. E por isso que os dons precisam ser exercidos com amor.
Os coríntios, egoístas, fingiam-se ultra-espirituais e abusavam das línguas estranhas. Surgiram muitos problemas. Paulo reenfatiza a necessidade da clareza na orientação e instrução. Por isso, toma a profecia como exemplo para representar todos os dons exercidos no idioma conhecido. As línguas estranhas, quando interpretadas, incentivam a congregação a adorar (1 Co 14.2,5,14,15) e se constituem num dom tão válido quanto a profecia. Não há fundamento bíblico para classificar os dons como superiores ou inferiores.
Cada dom desempenha uma tarefa única e incomparável, se comunicado corretamente. Paulo oferece a analogia da flauta, da cítara e da trombeta tocadas sem um som nítido: não há benefício para o ouvinte. Na assembléia local, precisamos transmitir com nitidez a orientação divina, o que Deus está dizendo a todos nós Paulo tinha em alta estima o dom de línguas para a adoração (1 Co 14.2), a edificação do indivíduo (14.4), a oração (14.4), a ação de graças (14.17) e como sinal para o incrédulo (14.22). Paulo orava em línguas, cantava em línguas, louvava em línguas e falava em línguas (14,13-16). Na realidade, falava em línguas ainda mais que os exuberantes coríntios. Ele fala do valor de louvar e orar com o Espírito e também com o entendimento.
Os coríntios haviam exagerado no uso do dom de línguas. Alguns talvez acreditassem que falavam línguas angelicais (1 Co 13.1). E possível que os cultos tenham sido dominados pelas línguas (14.23), e parece que os que falavam em línguas interrompiam uns aos outros para entregar suas mensagens, sem interpretação (14.27,28).
Há uma pergunta fundamental a respeito dessa passagem. Estaria Paulo encorajando ou desencorajando períodos de adoração em que todos na assembléia falam em outras línguas? Duas opiniões são sustentadas a respeito de 1 Coríntios 14.23,24. Uma delas é que Paulo estava reduzindo ao mínimo o uso do dom das línguas e que nunca, por nenhum motivo, deveria haver mais que duas pessoas (ou no máximo três) falando num culto. Assim fica excluída a adoração pública em línguas. Segundo esta opinião, Paulo faz uma concessão mínima àqueles em Corinto que falavam em línguas.
Uma segunda opinião considera que 1 Coríntios 14.23- 24 consiste em duas declarações paralelas: todos falam em línguas; todos profetizam. Se 14.23 significa que todos falam línguas estranhas ao mesmo tempo, obviamente 14.24 refere-se a todos profetizando ao mesmo tempo. Obviamente, 14.24 não pode significar isso. Todos profetizando ao mesmo tempo seria confusão ou mesmo demência. Paulo certamente permite às pessoas profetizarem “uns depois dos outros” no ministério à congregação (1 Co 14.3 1). E, se a profecia representa todos os dons no idioma conhecido, outros dons também podem ser ministrados profeticamente.
A única limitação imposta às mensagens proféticas é que seja feito “tudo decentemente e com ordem”. Os coríntios não deveriam consumir a totalidade do horário falando “uns depois dos outros” em línguas. Há um limite de duas ou (no máximo) três expressões em línguas com interpretações (14.27). O propósito básico das línguas estranhas com interpretação é adorar a Deus e encorajar os outros a fazer o mesmo. Se uma congregação está disposta a adorar, não serão necessárias mais que duas ou três exortações para situá-la nesse propósito.
Em Atos 2.4, 10.44-46 e 19.6, vemos que todos falavam em línguas na adoração coletiva. Nenhuma interpretação é mencionada. A interpretação sem preconceitos de 1 Coríntios 14.2,22-25 não pode negar que todos adoravam em línguas ao mesmo tempo. Paulo e Lucas não se contradizem mutuamente.
Se o propósito primário das línguas é louvar a Deus, as línguas com interpretação encorajarão as pessoas a adorar. Assim, recusar às pessoas a oportunidade de adorar a Deus em línguas parece uma contradição. Nesse caso, Paulo estaria dizendo: “Adorem com o entendimento na assembléia, mas não no Espírito. Somente duas ou três pessoas têm licença para aquela experiência”. Que diremos das reuniões em que a oração é o tema principal na agenda? Ou das reuniões que visam encorajar os outros a receber a plenitude do Espírito? Ou dos momentos de pura celebração espiritual? Quando Deus nos toca, no meio de qualquer assembléia pública, nós correspondemos. Essa nossa resposta, no entanto, não deve atrair sobre nós mesmos qualquer atenção indevida.
O reavivamento pentecostal/carismático no mundo inteiro jamais se desculpou pela celebração espiritual genuína. Tem, sim, encorajado a adoração sincera. O espírito do indivíduo não é abafado pelo coletivo. Pelo contrário, é plenamente aproveitado no Corpo, com o devido controle. O dom de línguas não está limitado aos devocionais particulares. Pelo contrário, aprendemos no modelo da adoração pública a maneira de adorar em particular. Se todos entendessem que há ocasiões diferentes para se louvar a Deus, não existiria nenhuma confusão.
Todos os dons têm valor como sinal e valor no seu conteúdo. No dom de línguas, destaca-se o aspecto de sinal: desperta a atenção. Na profecia, o conteúdo, embora em certos casos tenha grande valor como sinal. Ela confronta as pessoas com a Palavra de Deus e as convida ao arrependimento. Palmer Robertson ressalta: “As ‘línguas’ servem como indicador; a ‘profecia’, como comunicador. As ‘línguas’ chamam a atenção aos atos poderosos de Deus; a ‘profecia’ conclama ao arrependimento e à fé como forma de corresponder aos atos poderosos de Deus”.
As curas têm valor como sinal para os que observam, e valor de conteúdo para os que são curados. As palavras de sabedoria e conhecimento destacam muito mais o valor do conteúdo, embora às vezes tenham grande valor como sinal.
E uma questão pragmática — o que Deus está fazendo e o que
é necessário à situação.
Embora nada possa substituir a Palavra de Deus nem valer mais que ela,38 Deus continua falando às igrejas e às necessidades individuais. Reunimo-nos para ouvir a mensagem de Deus. Ele fala à nossa situação presente através da sua Palavra e do corpo de Cristo. Se todos comparecermos com a disposição de ministrar dons e surgir a oportunidade, o ministério poderá fluir livremente. O ambiente ideal para esse ministério é o pequeno, tal como um grupo familiar. Horários apertados, grandes multidões e membros acanhados são obstáculos (14.26).
Paulo guiava a igreja em Corinto com mão firme. Muitos estavam unidos contra ele. Alguns coríntios julgavam-se ultra-espirituais, pensando que o Reino já havia chegado e que não haveria necessidade de ressurreição para quem realmente tivesse fé. Somente eles tinham a manifestação mais plena dos dons. Mas Paulo não reage fortemente contra eles. Oferece diretrizes positivas. A primeira é que a profecia precisa ser comunicada com clareza, a fim de fortalecer, encorajar e consolar (14.3).
A segunda diretriz a ser considerada consiste nas necessidades dos crentes, dos incrédulos e dos interessados. Os crentes precisam ser instruídos e edificados (14.1-12), render graças juntamente com os outros crentes (14.17), tornar-se maduros no pensamento (14.20), ministrar vários dons (14.26-33), avaliar os dons (14.29) e ser discipulados (14.31). Os incrédulos precisam compreender o que está acontecendo num culto (14.16),tomar conhecimento do fato de que Deus está falando (14.22) e ter os segredos do coração desvendados diante de Deus (14.25), a fim de serem levados à fé. Os interessados, que buscam a Deus, precisam compreender o que está acontecendo no culto (14.16), sem
ficar confusos (14.23), e saber que Deus está verdadeira- mente entre nós (14.25).
A terceira diretriz é a importância de não reagir. Paulo aconselha aos coríntios: “Procurai com zelo os dons espirituais” (14.1), canalizando esse zelo para a edificação da Igreja (14.12), e não proibindo o falar em outras línguas (14.39). O medo de cair em extremos freqüentemente leva as igrejas a recuar diante da aceitação de um ministério completo de dons. Nesse caso, o nenê é jogado fora junto com a água suja do banho, o fogo é evitado por causa da possibilidade de fogo-fátuo ou, conforme diz o provérbio chinês, podamos os dedos dos pés a fim de fazer o sapato servir. Por outro lado, seguir zelosamente uma posição teológica sem fundamento bíblico é prejudicar o próprio reavivamento, que todos estamos buscando.
As vezes condenamos sem misericórdia, de modo farisaico, os que cometem enganos. E assim, desanimamos outras pessoas que querem ministrar com os dons. O medo exagerado de erros pode nos deixar sem a bênção de Deus. Precisamos de teologia sólida como base.
Mas também devemos ensinar com amor, testar as revelações à luz da consciência espiritual que outros membros maduros do corpo de Cristo possuem e aprimorar (ao invés de repudiar) os dons genuínos do Espírito (14.39,40).
A quarta diretriz é a prestação de contas. Na totalidade do capítulo, Paulo revela que os modos de corrigir os exageros são: o exercício saudável dos dons, a avaliação e a prestação de contas. Somos responsáveis uns diante dos outros.
No culto de adoração, a prioridade suprema é edificar os outros. Nossa vida, nossa metodologia e nossas expressões vocais devem ser levadas adiante, no contexto do que Deus está fazendo na Igreja, e sujeitas espontaneamente à avaliação do corpo dos fiéis. Exageros surgem quando as pessoas exercem dons ou fazem declarações sem ter de prestar contas a ninguém.
Elaboração pelo:- Evangelista Isaias Silva de Jesus
Igreja Evangélica Assembléia de Deus Ministério Belém Em Dourados – MS
Teologia Sistemática – Stanley M. Horton