A Vida Pela
Fé
EXPOSIÇÃO
Tiago
continua sendo um dos livros mais práticos e interessantes do Novo Testamento.
Também foi um dos mais controvertidos, particularmente durante a Reforma quando
os líderes protestantes emergentes ressaltaram a doutrina de Paulo a respeito
da salvação somente pela fé. Tiago menciona freqüentemente a fé, mas sua ênfase
na expressão da fé na vida do crente pareceu, para os reformadores, estar muito
próxima à sugestão de uma salvação baseada em obras. Para Martinho Lutero, este
livro foi “uma epístola sem valor” e somente sua autenticação pela igreja
primitiva impediu que alguns o omitissem do cânone.
O livro foi
escrito por Tiago, o meio irmão de Jesus, nos primeiros dias, antes que o
agressivo movimento missionário cristão trouxesse aquele crescimento explosivo
que foi marcado por um grande influxo de gentios Desta forma Tiago escreve numa
ocasião em que a igreja era nitidamente cristã hebraica e seus membros viviam
como judeus praticantes O Livro de Atos retrata Tiago como um líder proeminente
da igreja de Jerusalém, uma posição confirmada pelo apóstolo Paulo em Gálatas
2.9. Tradições antigas conferem a Tiago o apelido “o Justo”.
Um
interessante texto ilustra sua religiosidade dentro da estrutura dos costumes
judaicos. Tradições antigas nos dizem que Tiago foi executado no ano 62 d.C.,
durante o período de três meses entre a morte de Pórcio Festo e a chegada de L.
Lucceius Albinus para assumir o cargo de procurador de Roma. Isto foi feito por
instigação do sumo sacerdote, Ananus II. Mas a reputação da religiosidade de
Tiago era tamanha que os fariseus expressaram abertamente seu pesar e
secretamente fizeram uma petição para remover Ananus de seu posto.
Fica muito
claro portanto que o Livro de Tiago reflete o antigo cristianismo na Palestina,
diante das questões surgidas nos anos 60, e do agravamento das distinções entre
as comunidades de fé cristã e judaica. Muitos definiriam a data do livro como
estando entre 45 e 50 d.C. Naquela época, as preocupações de Tiago eram
claramente mais pastorais que polêmicas, pessoais e não teológicas. Sua maior
preocupação era que aqueles que seguissem a Jesus vivessem vidas apropriadas a
homens e mulheres de fé. Com este tema em mente, nós podemos facilmente
esquematizar o desenvolvimento deste livro pequeno porem pratico do Novo
Testamento.
Tiago começa
com uma convocação à prática da vida pela fé (1.2—2.13).
Ele
desenvolve este tema examinando, em primeiro lugar, questões individuais: como
o crente deve reagir diante das tentações (1.2-4); como deve pedir sabedoria a
Deus (1.5-8); como deve lidar com as riquezas e a pobreza (1.9-11); como
encarar e reagir às tentações (1.12-18).
Tiago então
examina questões sociais: não há lugar para um temperamento irritável nem para
a imoralidade, mas em lugar disso os crentes devem viver a Palavra (1.19-25). A
religiosidade deve ser exibida no cuidado dos necessitados (1.26,27), ao rejeitar
favoritismos (2.1-7), e pela pratica do amor e não somente em palavras (2 8 13)
A seguir naquela que e a passagem mais controvertida do livro Tiago explica os
princípios em que se baseia a vida de fe do crente (2 14- 26). Veja O Texto em
Profundidade sobre este tema.
Então Tiago
volta-se a problemas que continuarão a atormentar qualquer pessoa que procure expressar
sua fé na vida diária. Até mesmo o cristão mais comprometido lutará para
dominar sua língua (3.1-12), para pedir a sabedoria de Deus e não a do mundo
(3.13—4.10), para deixar de julgar os outros (4.11,12) e para refrear a
arrogância natural (4.13-17).
No entanto o
homem ou a mulher de fe tem expectativas que simplesmente não estão disponíveis
a outras pessoas. O crente espera a futura compensação de Deus de todos os
males que lhe foram feitos (5.1-6). Ele espera uma colheita pessoal de bênçãos
futuras, apesar do sofrimento presente (5.7-11). E ele percebe as respostas às
suas orações aqui e agora (5.12-18).
O livro
termina com um lembrete misericordioso (5.19,20). Aqueles que se desviaram do caminho
da fé não devem ser condenados, mas restaurados.
Por todo o
livro, portanto, Tiago mantém nossos olhos fixos no que significa viver como um
cristão. Para aqueles que argumentam que esta ênfase contradiz implicitamente
os ensinos de Paulo sobre a fé como simplesmente crer João Calvino responde Não
e necessário que todos aceitem os mesmos argumentos Se você quiser saber como
ser salvo leia Paulo Mas se quiser saber como os salvos devem viver, leia
Tiago.
ESTUDO DA
PALAVRA
Meus irmãos,
tende grande gozo quando cairdes várias tentações (1.2). A palavra peirasmois incluitestes
morais, como tentações, e também testes externos, tais como perseguições. O
fato é que os seres humanos são vulneráveis a ambas as fontes de tensão. Mas a
pessoa que tem fé deve encarar esta situação na qual nos encontramos de uma
forma positiva e com alegria. Por que? Porque se enfrentarmos as provas com
“paciência” (1.3) nós nos tornaremos amadurecidos como cristãos, desta forma
atingindo o objetivo dc Deus para nós.
“Paciência”
é hypomoneu, uma palavra que sugere determinação e persistência. A tensão por
si só não tem valor terapêutico. E a nossa reação, movida pela fé, à tensão,
que produz a maturidade.
E, se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus, que a
todos dá liberalmente e não o lança em rosto (1.5). Aqui, como
no Livro de Provérbios, “sabedoria” é saber como reagir às provas e aos
desafios que enfrentamos em nossa vida diária. Tiago afirma duas coisas
importantes. Primeiramente, Deus não se aborrece quando não sabemos o que fazer,
mas está ansioso para nos mostrar nosso passo seguinte. E em segundo lugar,
quando pedimos orientação a Deus, precisamos fazer isso com responsabilidade.
Isto é, nosso motivo para pedir orientação deve ser a obediência e não a
curiosidade. Não podemos nos aproximar de Deus perguntando: “o que devo fazer?”
a menos que estejamos dispostos a fazer o que Ele nos mostrar.
Isto é
salientado na descrição do homem “de coração dobre” (1.8). O termo grego é
dipsyehos, e significa “inconstante”. Ele é o homem que se mantém “sobre a
cerca”, inclinando-se para um lado (“eu farei”) e para o outro (“não farei”).
Deus não revela sua vontade para este tipo de pessoa.
Com o
conhecimento vem a responsabilidade. A pessoa que sabe o que fazer, mas não o
faz, é culpada de desobediência. Mas, da mesma maneira, revelar sua vontade
àquele que está comprometido em realizá-la também é um ato de graça, pois a
pessoa que realiza a vontade de Deus é abençoada em sua obediência.
Peçamos
sabedoria a Deus. Mas somente o façamos se estivermos verdadeiramente dispostos
a fazer o que quer que Deus nos mostre que devemos fazer.
Mas glorie-se o irmão abatido na sua exaltação, e o rico, em seu
abatimento (1.9,10), A primeira palavra é hupsos, “exaltação”. A segunda é topenosis,
“humildade/humilhação”. O perigo da pobreza é que uma pessoa pode invejar os
ricos e sentir-se inferior, ao passo que o perigo da riqueza é que uma pessoa
pode tornar-se orgulhosa e arrogante. Cada perigo é equilibrado pela
perspectiva da vida, que é modelada pela fé. O pobre encontra conforto e
identidade na percepção de que em Cristo ele foi exaltado até a posição de um
filh0 de Deus. O rico recupera a humildade ao contemplar o fato de que a
riqueza material é passageira, e que para vir até o Senhor ele abandonou a
dependência de suas posses, aproximando-se de Deus como um homem necessitado,
procurando a salvação que está enraizada na graça.
Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado (1.13). “Tentado”
aqui é peirasmos, que pode referir-se a circunstâncias externas ou a um impulso
em direção ao pecado.
Aqui, as
referências ao “mal” [1.13];. À concupiscência’ (1.14) e ao “pecado” (1.15)
deixam claro o faro de que Tiago está tratando com o segundo caso. Ele começa
refletindo sobre a reação comum daqueles que não têm fé, quando são tentados a
fazer o mal. Eles olham à sua volta procurando algo ou alguém em quem possam
lançar a culpa. Se não conseguem culpar as c:rcunsráncias, eles culpam as
outras pessoas, o diabo. e até Deus. O Word Bible Handbook resume o ensino da
Bíblia sobre a tentação, com especial referência a esta passagem:
Diversas
palavras hebraicas c gregas expressam a idéia de prova, teste ou sedução. e.
portanto, de tentação. A tentação nem sempre é vista na Bíblia como sendo má. A
tentação pode levar a aros de pecado, mas também pode ser uma oportunidade para
a obediência e desta maneira uma chance de afirmar nosso compromisso pessoal
com Deus.
Existem dois
aspectos dos testes e das tentações. Um dos aspectos é externo e envolve
situações de pressão nas quais nós nos encontramos. Tanto Tiago como Pedro
encaravam os sofrimentos e a perseguição sob esta luz. Uma decisão difícil de
tomar pode encaixar-se nesta categoria. Até mesmo o desejo por um bom objetivo
que somente pode ser atingido por meios questionáveis pode gerar tensões e ser descrito
como uma tentação. Nós nunca estamos abandonados, nem mesmo na mais difícil das
circunstâncias. Tiago escreve que qualquer que seja a tentação, nós podemos
pedir sabedoria a Deus e ter certeza de que Ele nos dará a orientação.
Existe
também um aspecto interno da tentação. Tiago descreve o que acontece dentro de
nós: “Cada um é tentado, quando atraído e engodado por sua própria
c000npiscência. Depois. havendo, a concupiscência. concebido. dá à lua o pecado;
e o pecado, sendo consumado, gera a morte” (1.14,15). Aquele impulso interior
em direção ao pecado é uma expressão da natureza pecadora do homem, e sempre
está conosco, Nenhuma atração que sentimos pelo mal vem de Deus, mas sim de
dentro de nos.
Deus pode colocar-nos
em uma situação em que sentimos grande pressão, mas Deus nunca é responsável
quando nosso impulso é o de reagir da maneira errada.
E neste
ponto que a tentação nos fornece a oportunidade. Nós podemos seguir as
tendências de pecado que as situações de tensão provocam, ou pudemos decidir
responder positivamente a Deus. A Bíblia diz: “Não veio sobre vós tentação,
senão humana; mas fiel é Deus, que vos não deixará tentar acima do que podeis;
antes, com a tentação dará também o escape, para que a possais suportar” (1 Co
10.13). Inspirando-nos na sabedoria de Deus, e tomando decisões que agradam ao
Senhor — a despeito das circunstâncias externas ou das pressões internas — nós
crescemos rumo à maturidade ou à perfeição (Tg 1.4).
E por meio
das escolhas agradáveis a Deus que demonstramos a autenticidade da nossa fé, e
assim trazemos “louvor, e honra, e glória” a Deus e a nós mesmos (1 Pe 1.3-9).
E útil que
nos lembremos de que Jesus também suportou tentações. Suas provas vieram
diretamente de Satanás, e ainda assim tiveram a permissão de Deus, para que
Jesus pudesse ser visto como sendo um homem perfeito. Quando vêm as nossas
provas, elas também são permitidas, pois Deus quer que você e eu conheçamos a
alegria da vitória, e a satisfação que resulta de permanecermos fiéis a Ele
(pp. 767-68).
Se alguém é ouvinte da palavra e não cumpridor, é semelhante ao
varão que contempla ao espelho o seu rosto natural; porque se contempla a si
mesmo, e foi-se, e logo se esqueceu de como era (1.23,24).
O verbo traduzido como “contempla” é katanoounti, que indica “um escrutínio
atento”. Esta pequena alegoria descreve uma pessoa que encontra um espelho e
olha intensamente para si mesma.
A alegoria
depende de uma questão simples. Por que as pessoas olham-se no espelho? Embora
alguns possam simplesmente desejar admirar-se, na maioria dos casos nós olhamos
no espelho para guiar nossos atos. Como devo pentear o meu cabelo? Para trás,
ou para a esquerda? Preciso melhorar algo em minha pele? Meu tosto está sujo? E
nós agimos com base no que vemos. Mas o que acontece se olharmos com atenção, e
nos afastarmos, simplesmente esquecendo a sujeira em nosso rosto, ou aquela
mecha que fica em pé de maneira tão selvagem? Então o espelho terá provado ser
totalmente irrelevante e nosso exame completamente sem significado.
Da mesma
maneira, Tiago argumenta que olhar para a Palavra de Deus e não agir de acordo
com o que ventos ali significa que o que encontramos nas Escrituras não tem
significado para nós. Não é a pessoa que conhece o que diz a Bíblia que é
abençoada, mas sim a pessoa que faz o que a Bíblia diz.
A religião pura e imaculada para com Deus, o Pai, é esta: visitar
os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e guardar-se da corrupção do mundo
(1.27).
Na Bíblia Sagrada a palavra threskos só é encontrada neste texto. Seu
significado, estabelecido em textos judeus e em antigos textos cristãos, é “fé
e/ou adoração expressa pela observância religiosa”. A preocupação de Deus não é
com as observâncias dos rituais, mas é uma preocupação com os necessitados.
Este tema
não é novo. Dificilmente poderia ser expresso com maior clareza do que em
Miquéias 6.8: “Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor
pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a beneficência, e andes
humildemente com o teu Deus?”
Porventura não fizestes distinção dentro de vós mesmos e não vos
fizestes juízes de maus pensamentos? (2.4). A palavra grega, diekrithete, é
construída a partir da mesma raiz de “julgar”. Ao mostrar favoritismo pelos
ricos, alguns membros da igreja mostravam que eles valorizavam determinados
seres humanos sobre os demais. Nós podemos ser diferentes uns dos outros de
muitas maneiras: riqueza, inteligência, habilidades sociais, ou posição. Mas à
vista de Deus cada um de nós tem valor infinito como pessoa, e deve aprender a
valorizar e a tratar os demais como irmãos e irmãs — como iguais.
E
interessante que o Talmude (Niddah 9.16) declara a mesma coisa, observando que
“Antigamente, era usado um dargash para
o sepultamento dos ricos e um klivas para os pobres, e os pobres sentiam-se
envergonhados: ficou determinado que, por respeito aos pobres, todos os sepultamentos
seriam feitos em klivas”.
Porque qualquer que guardar toda a lei e tropeçar em um só ponto
tornou-se culpado de todos (2.10). Aqui ton nomon refere-se aos mandamentos que
expressam a vontade de Deus para os seres humanos. Seu argumento parece
estranho para nós, pois é claro que mostrar favoritismo não é a mesma coisa que
um adultério ou um assassinato.
Mas o que
Tiago quer dizer é que a Lei não pode ser compreendida por partes mas deve ser
interpretada como um conjunto íntegro. Os seres humanos gostam de tranqüilizar
suas consciências pensando “bem, eu menti, mas nunca cometi adultério”. Ou
então, “E verdade, eu fraudei os meus impostos, mas nunca matei ninguém”. Isto
somente faz sentido se desmontarmos o conjunto e classificarmos suas partes em
categorias como “não grave demais”, “grave” e “realmente grave”.
Mas, e se
encararmos a Lei como um todo sem emendas? Neste caso, a violação de um dos
regulamentos da Lei nos torna “transgressores”, da mesma forma que a violação
de qualquer outro regulamento. Imagine que nós enchamos um balão e escrevamos
cada um dos Dez Mandamentos em uma parte diferente de sua superfície. Por mais
que tentemos, é impossível tomar um alfinete e romper somente aquela parte do
balão. O balão é um todo. Qualquer que seja a parte que rompamos, estaremos
rompendo o todo.
Não há
consolo para aqueles que argumentam: “Ele (ou ela) é pior do que eu”. Nem para
aqueles que dizem: “Eu fiz mais coisas boas que más”. Como a Lei é um conjunto
sem emendas, violar a Lei em um só ponto faz com que a pessoa torne-se uma
transgressora.
Assim falai e assim procedei, como devendo ser julgados pela lei
da liberdade (2.12). Tiago refere-se ao que ele chamou de “lei real” (2.8) do amor.
Esta lei dá
liberdade, em parte porque ela reafirma a natureza unitária da vontade de Deus
pata nós, e liberta o cristão das dificuldades impostas pela visão do judaísmo
rabínico a respeito da observância da Torá. O amor também dá a liberdade, pois
quando agimos com amor, nós nos encontramos cumprindo a Lei (Rm 13.10). Mas, de
maneira ainda mais significativa, o amor nos liberta para receber e estender
misericórdia quando cometemos erros. Desta maneira, o amor triunfa sobre o
julgamento agora e no final da história.
Com ela [a língua] bendizemos a Deus e Pai, e com ela amaldiçoamos
os homens, feitos à semelhança de Deus (3.9). A palavra é homoiosin, o termo grego
usado na Septuaginta e na literatura hebraica do período intertestamentário,
para traduzir referências à criação do homem à imagem de Deus (Gn 9.6; Sir
17.3). Tiago enfatiza o fato deque isto é incoerente, e “não convém que isto se
faça assim” (3.10).
De
particular importância, é a indicação de que a “semelhança de Deus” tão
distorcida quanto pode ser, apesar disto, persiste nos seres humanos pecadores.
Claramente, a semelhança não pode ser, como alguns sugeriram, inocência nem
falta de pecado. A melhor resposta é que o homem foi criado como uma pessoa,
com todos aqueles atributos divinos que distinguem os seres humanos dos
animais.
A sabedoria que vem do alto é, primeiramente, pura, depois,
pacífica, moderada, tratável, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem
parcialidade e sem hipocrisia (3.17). Tiago aqui está falando de uma orientação
básica para a vida, uma perspectiva divina que orienta os relacionamentos e as
escolhas. Isto é contrastado com uma “sabedoria” humana que não é nada sábia.
Como podemos saber? Sabemos que cada tipo de sabedoria é distinguido por sinais
inconfundíveis que marcam o caráter da pessoa que vive segundo aquela
sabedoria.
Fica claro
que aqueles cujas vidas estão marcadas pela inveja e por ambições egoístas,
pela desordem e pela prática do mal, não têm nada a ver com o céu.
Nada tendes, porque não pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis
mal, para o gastardes em vossos deleites (4.2,3). A palavra
grega utilizada aqui é hedonais, da qual vem o termo “hedonismo”. O ponto que
Tiago está destacando é claro; apesar de muitos apresentarem em seus sermões a
ilustração de uma conta no céu, semelhante a uma “conta bancária” da terra, a
oração não retira de um banco os fundos necessários para que façamos aquilo que
desejamos. A oração é, antes, a avenida pela qual aqueles que desejam fazer a
vontade de Deus buscarão os meios necessários para fazê-la.
Ou cuidais vós que em vão diz a Escritura: O Espírito que em nós
habita tem ciúmes? (4.5). A nota de rodapé da NVI para esta passagem capta o significado
deste difícil versículo:
“Deus anseia
com ciúme pelo espírito que Ele fez viver em nós”, O contexto nos ajuda a
entender, Tiago está escrevendo àqueles cuja ligação com este mundo e com seus
prazeres fez com que se desviassem do pleno compromisso com Deus. Quando isto
acontece, Deus, com ciúmes, deseja que nós retornemos a Ele com aquele amor que
Cristo despertou em nossos corações.
Sujeitai-vos, pois, a Deus (4.7). Deus
prometeu graça aos humildes. Sujeitar-se é hupotagete. A submissão não é a
obediência, mas sim a decisão de colocar-se sob a autoridade de outra pessoa.
Esta atitude leva à obediência. Mas somente aquele que se humilhou e jurou ser
leal somente a Deus permanecerá nesse caminho.
“Sujeitai-vos”
é o primeiro de dez mandamentos imperativos nos versículos 7 a 10. Cada
mandamento é contundente e exige uma reação imediata. Não há lugar para demoras
naquele que procura viver pela fé. A fé deve ser expressa não em palavras, mas
em ações tais como: sujeitar-se, resistir, aproximar-se. limpar-se,
purificar-se, sentir, lamentar-se, chorar, converter-se e humilhar-se.
Irmãos, não faleis mal uns dos outros (4.11). A palavra
katalaleite significa “não falar uns contra os outros”. Falar mal sugere fazer
falsas acusações. Esta palavra é bastante ampla para incorporar coisas que
podem ser verdadeiras, mas que são faladas com intenção maldosa. Basicamente, a
pessoa que fala toma para si a função de punir um irmão ou uma irmã, apesar do
fato de que somente Deus é Juiz.
As palavras
de Paulo em Efésios 4.15 são objetivas: Devemos falar a verdade no amor. Se o
que tivermos a dizer não contiver verdade nem amor suficientes, devemos
permanecer em silêncio.
Em lugar do que devíeis dizer: Se o Senhor quiser, e se vivermos,
faremos isto ou aquilo (4.15). E muito fácil para nós desenvolver atitudes
independentes, e nos esquecer de que somos verdadeiramente dependentes do
Senhor em todas as coisas. Não há grande valor em pronunciar as palavras “Se
Deus quiser” quando falamos sobre nossos planos para o futuro. Mas é essencial
que em nossos cotações rejeitemos a suposição arrogante de que temos alguma
maneira de prever ou controlar o futuro. Nós —‘ juntamente com tudo o que somos
e temos — permanecemos nas mãos de Deus.
Chame os presbíteros da igreja, e orem sobre ele, ungindo-o com
azeite em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o doente (5.14,15). Tiago
coloca o sofrimento no contexto do sofrimento e dos problemas em geral, pois a
mesma raiz, kakopath-, é usada nos versículos 10 e 13. A reação do crente é,
acima de tudo, de paciência e perseverança. Mas o maior recurso do crente, em
qualquer situação extrema, é a oração.
Tiago
destaca a enfermidade como uma circunstância na qual a oração é especialmente
importante. Ele também dá cuidadosas instruções para os presbíteros, que devem
orar pelos enfermos, ungindo-os com azeite. A oração é muito importante, pois
“orar” é o verbo principal. A unção é secundária, pois aleipsantes é um
particípio subordinado.
Porém não é
plausível a discussão sobre a unção ter um caráter ritual ou medicinal. A
palavra usada para a unção ritual é chrio, ao passo que aleipho, que significa
“ungir”, é usada normalmente quando se tem em vista uma aplicação medicinal de
óleo. Além disso, ungir com óleo era sem dúvida um dos tratamentos médicos mais
comuns nos tempos antigos. O que é significativo aqui é que, embora
incentivando o uso dos tratamentos médicos, Tiago atribui o crédito total da
recuperação subseqüente à fé e às orações dos crentes.
Se houver cometido pecados, ser-lhe-ão perdoados. [Portanto] confessai
as vossas culpas uns aos outros e orai uns pelos outros, para que sareis
(5.15,16).
A frase condicional sugere que embora algumas doenças sejam um castigo divino imposto
devido ao pecado persistente, o pecado não é a causa de todas as enfermidades,
O termo “portanto”, que está implícito ou explícito em algumas versões, sugere
que, uma vez que existe alguma relação entre os pecados e as enfermidades, é
prudente que “confessemos [nossos] pecados uns aos outros”. Parece melhor
interpretar exomologeisthe, “confessar” com o sentido básico de reconhecer, ou
admitir. Devemos viver vidas abertas e honestas uns com os outros, a ponto de
sermos sensíveis às tentações uns dos outros, e, desta forma, sermos capazes de
orar uns pelos outros.
O TEXTO EM PROFUNDIDADE
A Fé e as
Obras (2.14-26)
Contexto. E
difícil encontrar referências a’”fé” em textos do período intertestamentário,
ou rabínicos, ou em comentários modernos sobre aquelas obras. Isto não quer
dizer que o judaísmo rabínico seja desprovido de doutrina, mas a “fé”, como é
compreendida no NT, simplesmente não é um assunto principal naquela religião.
Por exemplo, na impressionante obra de três volumes The History of the Jewisb
People in the Age of Jesus Christ, de Emil Schurer, “fé”, em seu sentido do NT
não aparece no índice. Isto se deve, em parte, ao firo do judaísmo rabínico não
ter uma doutrina clara da ressurreição ou da salvação pessoal. Mas outro motivo
é que o judaísmo desenvolvido supõe que observar a Lei de Deus é o caminho para
as bênçãos, aqui, e amanhã, se houver um amanhã. No volume lll, p194, Schurer
assim comenta uma obra do período intertestamentário, “The Psalms of Solomon:
Eles atestam a fé no amanhã, e que o destino futuro de um homem é determinado
por seu modo devida atual.
Sua livre
escolha contém a opção de fazer o que é certo ou errado (cf. esp. 9.7). Se ele
optar pela primeira possibilidade, ascenderá pata a vida eterna; se pela
última, descerá para a destruição eterna (3.16; 13.9-11; 14; 15).
Em uma obra
intitulada simplesmente Judaism (Harper e Row, 1987), Michael A. Fishbane
escreve que “por meio da obediência devotada às prescrições da Torá e seus
aperfeiçoamentos rabínicos, o judaísmo ensinou que uma pessoa pode levar uma
vida de santidade orientada divinamente e ascender por esse caminho à perfeição
religiosa e à comunhão com Deus” (p16).
Se
examinarmos o Livro de Tiago contra este cenário, observaremos algo muito
dramático. As pala- de Tiago apresentam uma clara semelhança com os ensinos de
muitos dos profetas e os do próprio Cristo. Sua referência é a de um homem
cujas raízes são as de um judeu palestino. Ainda assim, “fé” é um dos remas
persistentes de Tiago, e na verdade ele utiliza essa palavra com mais
freqüência — 16 vezes — em seu pequeno livro, do que Paulo a usou na epístola
aos Gaiatas — 1 5 vezes!
Fica claro
que Tiago saiu de sua referência de pensamento rabínico neste pequeno livro, e
adotou aquela visão exclusiva de um relacionamento com Deus que afirma que a
ruína de todo ser humano começa pelo pecado, e afirma também com fervor que a
fé é a única base para um relacionamento renovado e contínuo com o Senhor.
Por que
então, a preocupação de Lutero e outros reformadores de que o pequeno livro de
Tiago sugere uma salvação por obras em contraste com uma salvação unicamente
pela fé? O quadro a seguir pode ajudar a distinguir as preocupações de cada
autor e desta maneira esclarecer a razão para as diferenças em sua abordagem.
Tiago escreveu:
Para explorar como a fé encontra expressão na vida do crente.
Com a preocupação de que os que têm fé produzam frutos (2.20),
para que ninguém confunda as crenças com o cristianismo vital.
Pouco tempo depois da ressurreição de Jesus, quando a igreja ainda
era judaica, e as verdades do AT eram conhecidas por todos.
Paulo escreveu:
Para explicar a fé que salva em relação à obra de Cristo no
Calvário.
Com a preocupação de que a fé seja colocada exclusivamente em
Jesus, sem nenhuma dependência da lei ou de qualquer suposta “obra de justiça”.
Quando a conversão dos gentios tinha despertado muitas questões
teológicas nunca antes exploradas.
É neste
contexto que Tiago escreveu sua seção sobre a “fé” que tanto perturbou os
reformadores, e também confundiu a outros. Nós precisamos nos lembrar de que
Tiago, como Paulo, faz uma distinção entre a fé que existe como uma “crença a
respeito de algo” e a fé que existe como “confiança em algo”. Para aqueles que
clamam “eu creio que existe um só Deus”, Tiago responde com um golpe clássico
de afiado sarcasmo: “Fazes bem; também os demônios o crêem e estremecem”
(2.19). Em contraste, Tiago dirá, existe uma fé que repousa tranqüilamente em
Deus, e nós reconheceremos esta fé pelo fato de que ela produz obras que são
realizadas como uma reação à Palavra de Deus.
Interpretação. Talvez a melhor maneira de examinar a argumentação de Tiago nesta
passagem é citá-la com títulos.
Meras Palavras São Vazias (2.14-17)
Meus irmãos,
que aproveita se alguém disser que tem fé e não tiver as obras? Porventura, a
fé pode salvá-lo? E, se o irmão ou a irmã estiverem nus e tiverem falta de
mantimento cotidiano, e algum de vós lhes disser: Ide em paz, aquentai-vos e
fartai-vos; e lhes não derdes as coisas necessárias para o corpo, que proveito
virá daí? Assim também a fé, se não tiver as obras, é morra em si mesma.
A Fé e as Obras Não Podem Ser Separadas (2.18,19)
Mas dirá
alguém: Tu tens a fé, e eu tenho as obras; mostra-me a tua fé sem as tuas
obras, e eu te mostrarei a minha fé pelas minhas obras. Tu crês que há um só
Deus? Fazes bem; também os demônios o crêem e estremecem.
Abraão Demonstra a Unidade Entre a Fé e as Obras (2.20-24)
Mas, ó homem
vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta? Porventura Abraão, o nosso
pai, não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar seu filho Isaque?
Bem vês que a fé cooperou com suas obras e que, pelas obras, a fé foi
aperfeiçoada, e cumpriu-se a Escritura, que diz: E creu Abraão em Deus, e
foi-lhe isso imputado como justiça, e foi chamado o amigo de Deus. Vedes,
então, que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé.
Raabe Demonstra a Unidade Entre a Fé e as Obras (2.25)
E de igual
modo Raabe, a meretriz, não foi também justificada pelas obras, quando recolheu
os emissários e os despediu por outro caminho?
Conclusão (2.26)
Porque,
assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é
morta.
Meras Palavras São Vazias (2.14-17). Tiago
inicia seu comentário sobre a fé descrevendo uma pessoa que “diz ter a fé, mas
que não tem as obras”. Este presente do subjuntivo, usado em uma frase
condicional do terceiro tipo, indica um padrão. Tiago está falando sobre
pessoas que “continuam dizendo que têm fé, mas ainda assim continuam não tendo
obras”. Uma vez mais, é o modo (ou estilo) de vida de fé que tanto preocupa este
líder religioso da igreja de Jerusalém. Tiago imediatamente coloca uma questão;
pode esse tipo de fé salvá-lo? Imediatamente, vemos que Tiago está falando de
“fé versar fé” e não de “fé versus obras”, ou mesmo “fé e obras”. Há um tipo de
fé que existe como meras palavras, sem nenhuma obra que a acompanhe.
Para mostrar
o quanto essas palavras podem ser vazias, Tiago dá um exemplo familiar.
Imaginemos que um irmão crente esteja necessitado, e você sorria e lhe deseje
boa sorte. Que bem podem trazer a alguém essas palavras vazias — a você, Ou ao
irmão necessitado? E assim Tiago estabelece um princípio que ele se esforça
para provar. Quando consideramos fé versus fé, o único tipo de fé que importa é
aquele que é “acompanhado por uma ação”. A fé de qualquer outro tipo está
morta, no sentido de que é inútil e ineficiente.
Posteriormente,
Tiago concluirá, tendo provado seu ponto de vista: Qualquer “fé” sozinha não é
uma fé verdadeira — assim como um corpo sem o fôlego de vida não é uma pessoa
viva (2.26).
A Fé e as Obras Não Podem Ser Separadas (2.18,19).
A seguir,
Tiago responde a alguém que comenta que a fé e as obras devem, por sua própria
natureza, ser tratadas separadamente. Isto fica implícito na declaração:”Tu
tens a fé, e eu tenho as obras”.
E melhor considerar
o versículo 1 8b, como fazem os tradutores da NVI, como a resposta de Tiago a
esta declaração. A expressão “Mostra-me a ma fé sem as tuas obras” é, na
verdade, um desafio em forma de resposta.
Como Jesus
disse certa vez a alguns fariseus: é mais fácil dizer “Perdoados te são os teus
pecados” do que dizer “Levanta-te e anda” (Mt 9.4-7). Não existe uma maneira de
demonstrar nem o perdão dos peca- dos nem a reivindicação de uma pessoa de “ter
fé”. Mas, ressalta Tiago, enquanto você precisa lutar para me mostrar sua fé
sem obras, eu certamente “te mostrarei a minha fé pelas minhas obras” (2.18).
Mas existe
um problema ainda mais sério na “fé” daqueles que afirmam crer, mas cuja fé não
tem a companhia das obras. Mesmo se aceitarmos sua reivindicação em sentido
intelectual e de crença, devemos nos lembrar de t1ue até mesmo os demônios
acreditam que Deus é Único. Sua “fé”, entretanto, os faz estremecer, pois eles
sabem que um dia Deus julgá-los-á!
Na resposta
de Tiago está implícita a afirmação de que aquele tipo de fé não pode fazer
nada pela pessoa, que continua vulnerável ao julgamento e desta forma, como os
demônios, ao invés de ponderar o que deve fazer, ela estremece! Pois esse tipo
de fé não salva!
Abraão Demonstra a Unidade Entre a Fé e as Obras (2.20-24). Tiago
afirmou que a verdadeira fé em Deus não pode estar separada das obras. Se
alguém verdadeiramente crê, isto estará refletido em seu comportamento.
Agora ele se
volta para o AT em busca de evidências das Escrituras, e pergunta: “Porventura
Abraão, o nosso pai, não foi justificado pelas obras” (... ouk ex ergon
edikaiothe). Quando usada por Paulo, esta raiz, dikaio-, é claramente usada com
o significado de Deus declarando que a pessoa que crê em Jesus é justa a seus
olhos.
A primeira
vista, parece que Tiago esta’ contradizendo Paulo — parece que Tiago aqui
propõe uma salvação pelas obras. No entanto, esta raiz grega não somente
significa “declarar justo”, mas também pode significar “justificar” no sentido
de defender. Aqui, o que Tiago quer dizer é que a nossa visão de Abraão, e a
declaração de Deus de que Abraão deve ser considerado justo, estão demonstradas
por suas ações. E importante observar aqui que Tiago chama a atenção pata um
episódio de Gênesis 22, o sacrifício de Isaque, para comprovar o que quer
dizer. Este episódio ocorreu muito tempo depois de Gênesis 15.6 ter declarado
que Deus aceitava a fé de Abraão como justiça. Desta forma, logo após sua
salvação pela fé, Abraão demonstrou sua fé respondendo imediatamente de forma
positiva quando Deus lhe pediu que levasse seu filho até o Monte Moriá, e o
apresentasse em sacrifício!
Portanto,
conclui Tiago, vedes, “então, que o homem é justificado pelas obras e não
somente pela fé”. Isto é, a “fé” isolada das obras não é o tipo de fé de que o
cristão está falando quando diz que somos salvos pela fé, e declarados
justificados por Deus.
Raabe
Demonstra a Unidade Entre a Fé e as Obras (2.25). O judaísmo do século 1 era
fascinado por Raabe, e a considerava um excelente exemplo de uma pessoa temente
a Deus. Desta forma, Tiago chama a nossa atenção para Raabe e expressa o mesmo
conceito. Nós consideramos Raabe justa por causa do que ela fez, e não por
causa de uma mera declaração verbal de “fé”.
Conclusão (2.26). Tiago conclui sua argumentação. E impossível
isolar a fé das obras, assim como é impossível isolar o espírito do corpo.
“Assim como o corpo sem o espírito está morto, assim também a fé sem obras é
morta”.
Em poucas
palavras, a “fé” sem as obras não funciona. A fé que salva não é esse tipo de
“fé”.
Aplicação. A
questão que Tiago explora permanece um problema prático na igreja moderna. Não
se trata de Deus ter indicado alguns de nós como inspetores de frutas,
encarregados de examinar a vida de nossos irmãos e irmãs pata ver se eles têm
uma fé que funciona.
O mais
importante é ouvir atentamente o que Tiago tem a dizer; e cada um de nós deve
examinar a si mesmo. E muito fácil ir à igreja e “crer”. Mas a fé cristã pede
um compromisso, como também uma confissão.
BIBLIOGRAFIA
COMENTARIO
HISTORICO-CULTURAL DO NOVO TESTAMENTO – CPAD
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