segunda-feira, 23 de junho de 2014

DIFERENÇA ENTRE TENTAÇÃO E PROVAÇÃO



DIFERENÇA ENTRE TENTAÇÃO E PROVAÇÃO

A tentação, conforme estudamos, é sempre uma indução ao mal, ao pecado. A provação, no entanto, não tem esse sentido. Quando a Bíblia diz que Deus tentou alguém, devemos entender que Deus o provou, e isso tem objetivos muito elevados, conforme descrevemos a seguir. Tiago nos diz que "Ninguém, sendo tentado, diga: De Deus sou tentado; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta" (v.13).
Quando a Bíblia diz que alguém foi tentado por Deus, isso pode ser entendido como provação. Abraão só foi considerado o pai de todos os que crêem, porque creu e foi "tentado", ou seja, "provado" por Deus (ver Gn 22.1-18). A prova da fé é essencial para "louvor, honra, e glória na revelação de Jesus Cristo" (1 Pe 1.7).
Tiago exorta os crentes a terem "grande gozo", quando caírem em "várias tentações", sabendo que "a prova da vossa fé produz a paciência" (vv.2,3). Ele considera uma bem-aventurança o crente sofrer a tentação, porque, quando for provado, receberá a coroa da vida (v.12).
Resistindo ao Diabo. O inimigo sabe qual é o ponto fraco de cada crente. Mas, com determinação e resistência, no Espírito, é possível ser vitorioso (cf. 1 Pe 5.8,9; Tg 5.17). José, jovem hebreu, mesmo pagando terrível preço, não se deixou vencer pelo pecado do adultério. Foi vencedor e exaltado por Deus.
Buscando a santifícação. É preciso que o crente viva a separação integral para Deus (Hb 12.14; 1 Pel.15).
Ocupando a mente com as coisas espirituais. Isso se consegue através da oração, jejum, estudo da Bíblia e leitura de bons livros; servindo, evangelizando, louvando, participando da obra do Senhor, santificando a mente, a vida e o corpo (ver 1 Ts 4.3-7).
A oração perseverante é um desafio à paciência do crente, ao passo que, para Deus, constitui demonstração de inteira confiança e dependência à Sua vontade.
Devemos ficar atentos quanto à falsa doutrina da confissão positiva, que exalta a vontade do homem em detrimento da de Deus. A submissão ao Senhor é sinal de humildade e reconhecimento à Sua soberania. Tiago destaca a fé como elemento fundamenta para obtenção do favor divino (v.7). Só recebe quem tem fé. Só persevera na oração quem tem fé.
Orar é falar com Deus, louvando, agradecendo, pedindo, suplicando, com a alma voltada para o Onipotente. A oração, assim, é um meio maravilhoso de chegarmos à presença do Senhor, de adentrarmos ao trono da graça, "com confiança, a fim de sermos atendidos em tempo oportuno". A perseverança na oração é indispensável para demonstrarmos nossa confiança e dependência de Deus.

DOIS TIPOS DE ORAÇÃO

1. Oração convencional. É a oração feita pelo crente, na qual ele expressa seus sentimentos diante de Deus, sem um propósito de obter algo que dependa do exercício imediato da fé, como, por exemplo, a cura de um enfermo, a operação de maravilhas, sinais e prodígios, a expulsão de demônios, etc. É a oração que fazemos ao deitar, ao levantar, agradecendo pelo pão de cada dia, pela família, pela igreja, pelo emprego, etc. Se não tivermos cuidado, essa oração pode tornar-se rotineira, repetitiva, sem graça.
2. Oração da fé. É a oração pela qual se busca a obtenção imediata ou mediata de uma bênção para si ou para outrem. Normalmente, quando se fala em "oração da fé", tem-se em mente a necessidade de um milagre de cura, libertação, vitória sobre problemas que desafiam a fé. Tiago orienta que, se alguém estiver doente, os presbíteros da igreja devem ser chamados, a fim de orarem pelo enfermo, ungindo-o, em nome do Senhor, "e a oração da fé salvará o doente..." (vv. 14,15a).

CARACTERÍSTICAS DA ORAÇÃO PERSEVERANTE

Perseverar quer dizer "conservar-se firme e constante; persistir, prosseguir, continuar" (Dicionário Aurélio). A oração perseverante tem esses significados.
1. É feita com fé (vv. 5,6a). Tiago, exorta que, se alguém tem falta de sabedoria, deve pedi-la a Deus; pedindo, "porém, com fé, não duvidando". Quem duvida é comparado pelo apóstolo como a "onda do mar, que é levada pelo vento e lançada de uma para outra parte" (v.6b). A dúvida é a inimiga número um da fé. A fé é a confiança inabalável em Deus, sendo "o firme fundamento das coisas que se esperam e a prova das coisas que se não vêem" (Hb 11.1). Só persevera na oração quem tem fé. Quem não ora com fé é candidato a não receber nada da parte de Deus (v.7).
2. É paciente. A impaciência é o maior inimigo da oração perseverante. Nos dias apressados em que vivemos, são poucos os que se dedicam à oração perseverante. Hoje, em geral, as coisas têm a marca da pressa. A comida, por exemplo, é "fast food" (alimentação rápida, em inglês). A maioria dos crentes gosta mais da oração rápida, "instantânea". A oração perseverante desafia a paciência do orante. Exige tempo, cuidado, interesse em estar na presença de Deus. A Bíblia diz: "Não te apresses em sair da presença dele..." (Ec 8.3a). Jesus ensinou a parábola do juiz iníquo (Lc 18.1-8), como vimos no trimestre passado, na qual ressalta o valor da persistência na oração (v.7). Em Mt 7.7, lemos "Pedi, e dar-se-vos-á; buscai e encontrareis; batei e abrir-se-vos-á".
3. Leva em conta a vontade de Deus. Na oração perseverante, o crente espera, confiando na vontade de Deus para o que lhe pede. Na oração-modelo, Jesus ensinou: "Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade, tanto na terra como no céu" (Mt 6.10). Ele orou, no Getsêmane, três vezes, submisso à vontade do Pai: "...não seja como eu quero, mas como tu queres" (Mt 26.39); "Meu pai, se este cálice não pode passar de mim sem eu o beber, faça-se a tua vontade" (Mt 26.42); na terceira vez, disse "as mesmas palavras" (Mt 26.44). O chamado Movimento da Fé ensina que nunca se deve dizer "se for da tua vontade...". Isso é falsa doutrina. Submeter-se à vontade de Deus é sinal de humildade ante a soberania do Senhor. Há quem pregue que só se deve orar uma vez por um problema, dizendo que repetir a oração é falta de fé. Não entendemos assim, pois a Bíblia manda orar sem cessar (l Ts 5.17); perseverar na oração (Cl 4.2). Homens e mulheres de oração passam, em média, pelo menos, uma hora de oração por dia.

ORAÇÃO PERSEVERANTE OU CONFISSÃO POSITIVA?

1. A confissão positiva. Segundo Hank Hanegraaf no livro Cristianismo em Crise, (CPAD), confissão positiva é um dos elementos básicos do Movimento da Fé. Um dos seus arautos modernos diz que recebeu diretamente de Jesus a "Fórmula da Fé", que se constitui de quatro pontos: 1) Diga a coisa; 2) Faça a coisa; 3) Receba a coisa e 4) Conte a coisa. A confissão positiva é o primeiro ponto.
a) Tudo depende do indivíduo. Segundo essa doutrina, "positiva ou negativamente, tudo depende do indivíduo. De acordo com o que o indivíduo disser é que ele receberá". Note-se, aí, que tudo depende do indivíduo. A vontade de Deus fica deixada de lado. Para os que seguem essa doutrina, não se deve orar, dizendo "seja feita a tua vontade...". Basta "decretar" que algo aconteça e deve acontecer! Tais ensinos têm levado muitos ao desespero. Certos crentes têm dito a enfermos que "decretem" sua cura e, depois, os doentes morrem; outros, "determinam" que devem ficar ricos, e isso não acontece. Cremos que Deus é Deus de bênçãos, mas Sua vontade é soberana, e Ele não pode ficar dependente da palavra positiva ou negativa de ninguém.
b) Não sabemos orar. A confissão positiva cai por terra, diante da afirmação da Bíblia em Rm 8.26, que diz: "porque não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o mesmo Espírito intercede por nós com gemidos inexprimíveis". Ora, se não sabemos sequer pedir como convém, quanto mais "decretar" alguma coisa de que precisamos.
c) Confissão negativa. O fato de não aceitarmos a confissão positiva, na maneira em que ela é formulada, não deve nos levar ao caminho da confissão negativa, pessimista, em que o crente, lamuriando, diz: "Não posso, estou fraco, não sou ninguém". A Bíblia nos ensina: "Posso todas as coisas naquele que me fortalece" (Fp 4.13). Note-se que tudo podemos "naquele" que nos fortalece e não em nossas declarações.
2. A oração perseverante. Na oração perseverante, o crente coloca-se na dependência da vontade de Deus, com paciência.
a) Não é obstinação. De acordo com a Bíblia, nenhum homem deve achar-se no direito de receber a resposta de Deus aos seus pedidos ou "decretos". Moisés, o grande líder do êxodo, rogou a Deus que o deixasse entrar na terra prometida, mas o Senhor lhe disse: "Basta; não me fales mais neste negócio" (Dt 3.26). E ele não insistiu mais. Paulo orou a Deus três vezes sobre o "espinho na carne" e o Senhor lhe respondeu: "A minha graça te basta porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza" (2 Co 12.8,9).
b)Nada tem a ver com pensamento positivo. A oração perseverante fundamenta-se na fé em Deus e na Sua vontade soberana. João, em sua primeira epístola, diz: "E esta é a confiança que temos nele: que, se pedirmos alguma coisa, segundo a sua vontade, ele nos ouve" (1 Jo 5.14). O apóstolo do amor doutrina sobre a eficácia da oração, enfatizando que Deus nos ouve "em tudo o que pedimos", de modo que alcançamos as petições "que lhe fizemos" (1 Jo 5.14,15). Se isolarmos o último versículo, cairemos na confissão positiva. Mas, ligando-o com o anterior, veremos que a expressão-chave é "segundo a sua vontade". O pensamento positivo coloca a fé na fé; a fé nas palavras. Estas passam a ter um valor absoluto, independente da vontade de Deus. Oração perseverante baseia-se na fé, na paciência e na vontade de Deus.
c) É oração contínua. Um exemplo claro, na Bíblia, de oração perseverante, é a que a igreja fez por Pedro, quando ele fora preso por Herodes (At 12.5). Os irmãos oraram de modo contínuo, dia após dia. Ao ser liberto pelo anjo de Deus, Pedro dirigiu-se à casa de Maria, ainda de madrugada, onde "muitos estavam reunidos e oravam" (At 12.12). Se fossem adeptos desses ensinos modernistas, só teriam orado uma vez e ido dormir.
A perseverança na oração é essencial para que o crente receba as bênçãos da parte de Deus. O salmista disse: "Esperei com paciência no Senhor, e ele se inclinou para mim". Tendo sido grandemente abençoado, ele passou a louvar a Deus. Assim, devemos confiar no Senhor, no Seu poder, no Seu amor, e, também, na Sua soberania.


Explanação dos versículos do texto de referência

1:2 Tiago chama seus leitores de irmãos, o que significa que ele os considera membros da igreja em boa posição espiritual. Há um caloroso afeto na abertura, que prossegue por toda a carta, a despeito da crítica aos irmãos. Tiago está unido a seus leitores, e lhes partilha as fraquezas, como demonstra de modo enfático em 3:1-2.

Os leitores deverão ter por motivo de grande gozo o fato de passarem por provações. As provações a que Tiago se refere são as situações difíceis de teste e de aprimoramento da vida, as circuns­tâncias duras em que a fé é provada com dores, como no caso da perseguição, uma decisão moral difícil, ou uma experiência trágica. Tiago não disfarça a realidade do sofrimento — as lágrimas, a dor, o suor. Em vez disso, Tiago aponta para uma perspectiva transformada por tais provações. Se a pessoa enxergar a situação difícil não meramente da perspectiva do problema imediato, mas também da perspectiva do resultado que Deus está produzindo, ela pode sentir profunda alegria. Não se trata de uma felicidade superficial, mas uma antecipação dos galardões futuros, do fim dos tempos (alegria escatológica). Tal gozo não só é possível, mas é também necessário (pelo que Tiago nos ordena a experimentá-lo), visto que sem ele a pessoa pode tornar-se tão atolada em seus problemas atuais que chega a abandonar a fé e a desistir de vez da luta. Só mediante a perspectiva de Deus, considerando-se a si próprio muito feliz, pelo fato de antecipar os galardões futuros de Deus, pode o crente manter a fé, apesar das graves pressões da vida.

1:3 Uma das razões por que o crente pode considerar-se feliz em plena adversidade é que o sofrimento produz bons resultados agora mesmo. Com José o crente pode dizer: "Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim, porém Deus o tornou em bem, para fazer como se vê neste dia" (Gênesis 50:20). O processo de provar a fé é como o de temperar o aço: o calor, em vez de destruir o aço, torna-o mais forte. O livro apócrifo Siraque (2:5) emprega outra imagem: "O ouro se prova no fogo, e os homens aceitáveis a Deus na fornalha da aflição". O processo é difícil, mas os resultados, excelentes.

Tiago presume os bons resultados quando escreve: a prova da vossa fé desenvolve a perseverança. A provação relaciona-se ao fato de o crente ter fé, de haver nele "ouro puro". Não deveria o crente encarar a provação com medo, mas olhar para além da provação, para os resultados, que serão a perseverança. Não se trata de uma virtude desprezível. Primeiramente, é uma virtude que só o sofrimento e a provação produzem. Em segundo lugar, produz um caráter estável, uma firme e bem fundamentada disposição de fé: é uma virtude heróica. A pessoa que detém essa qualidade consegue manter sua posição, sejam quais forem as circunstâncias, e nele se pode confiar. Certamente a igreja precisa de líderes dessa tempera. Em terceiro lugar, essa qualidade relaciona o crente a outros crentes que ficaram famosos na tradição judaica por terem-na possuído: Abraão, que passou pelo fogo da provação dez vezes (Jubileu 17:18; 19:8), José, que passou de provação a provação, antes de tornar-se governador do Egito (Testamento de José 2:7; 10:1), ou Jó, que suportou com paciência uma série de sofrimentos quase incríveis, sendo no fim galardoado (Tiago 5:11; Testamento de Jó).

Sem dúvida alguma essa virtude é muito importante, mas também é certo que os meios para sua aquisição não são nada populares. Todavia, o crente foi chamado para encarar a realidade: não importa quão difícil ou desagradável seja a provação, é por meio dela que Deus está aperfeiçoando o crente.

1:4 A perseverança, entretanto, não é virtude passiva, ou que a pessoa obtém mediante esforço próprio, com ranger de dentes, mas é traço do caráter que se desenvolve, se firma e se molda ao redor da fidelidade centralizada em Cristo. Não surge da noite para o dia, pois é um processo. Nesse processo, a perseverança deve terminar a sua obra, ou "exercer efeito completo", visto que é a formação da personalidade toda que está em jogo. A pessoa deve ter muito cuidado para não incidir num curto-circuito: Não tire o metal do fogo cedo demais, não frustre mediante aborto o desenvolvimento da criança, não abandone a escola — para usarmos três metáforas comumente utili­zadas para descrever o curto-circuito. Tiago não vê um único objetivo nesse processo, como o desenvolvimento do amor como a virtude máxima (Romanos 13:8; 2 Pedro 1:6) ou o fruto do Espírito (Gaiatas 5:6; Romanos 6:22) — embora o autor da carta certamente o teria aprovado —, pois o alvo é global e de maior alcance. Forma-se a pessoa, não apenas em parte, não só moralmente, mas no todo, como um ser integral, e isso significa que os crentes se tornaram maduros e completos, não tendo falta de coisa alguma.

Ao referir-se a uma pessoa como perfeita, Tiago não tem em mente a perfeição isenta de pecado, mas com toda a certeza refere-se a um conceito parecido com o de Mateus 5:48: "Sede vós, pois, perfeitos, como perfeito é o vosso Pai que está nos céus". Trata-se de um conceito de compromisso fiel ao mandamento, em toda a sua profundidade, com toda radicalidade, uma dedicação fiel de modo que o que for menos do que total obediência já é pecado; o crente peca, mas busca ar­rependimento; essa dedicação, em vez de reduzir a palavra a um padrão cultural "pagão", mundano, procura ser amoldada e formada pela palavra. Em outras palavras, Tiago está-se referindo ao caráter cristão maduro. Os crentes são maduros no sentido de que são bem desenvolvidos; são completos no sentido de que todas as virtudes e percepções estão em ordem, não tendo falta de coisa alguma por serem espelhos de Cristo. É isso que a adversidade produzirá no cristão se ele o permitir. Todavia, o processo não é passivo; o crente precisa permitir que isso aconteça. Há um imperativo na frase (uma tradução melhor seria: "permita que a perseverança termine sua obra"). É possível fazer ocorrer um curto-circuito no processo e, assim, frustrar o desenvolvimento do caráter; o crente sofreria em vão.

1:5 Tiago volta-se, agora, para o segundo tópico. Parece tratar-se de um tema totalmente novo, o da sabedoria e da oração. Na verdade, é um tema importantíssimo da carta, mas nem por isso deixa de estar bem relacionado com o tema anterior. Se uma pessoa ouvisse um clamor no sentido de ser perfeita, certamente tal pessoa bradaria: "Socorro! Que é que eu posso fazer?" (à semelhança de Paulo: "Para estas coisas quem é idôneo?", 2 Coríntios 2:16; 3:5-6). É necessário ajuda divina, e esta, em Tiago, sobrevém sob a forma de sabedoria (cf. 3:13ss.). Na verdade, nada deveria faltar aos crentes, mas, para alcançar tal posição, precisam da sabedoria divina.

Tiago compartilha essa percepção. Se algum de vós tem falta de sabedoria, peça-a a Deus. Tiago pode fazer isso com confiança total em que Deus a todos dá liberalmente. Aqui, Tiago apela à tradição a respeito de Jesus (os ensinos de Jesus ainda não escritos que, mais tarde, formariam os evangelhos), pois o Senhor prometera que Deus concederia a seus filhos o que lhe pedissem (Mateus 7:7-11; Marcos 11:24; Lucas 11:9-13; João 15:7). Que dádiva melhor poderiam pedir do que a sabedoria de que necessitassem a fim de resistir às provações que estavam enfrentando? Deus... dá porque ele é doador; Deus dá liberalmente, o que significa que dá sem reservas mentais, dá com simplicidade, com um coração singelo. Não está procurando um lucro escondido da parte dos crentes; o Senhor não abriga motivos despre­zíveis, tampouco sentimentos mesquinhos. Na verdade, não só o Senhor dá generosamente, mas não censura. Isso significa que Deus não se queixa do dom concedido, nem de seu custo. Não é "um tolo", que "tem muitos olhos, em vez de um. Dá pouco e repreende muito, abre a boca como um arauto; hoje empresta e amanhã toma de volta" (Siraque 20:14-15). Não, Deus dá verdadeiras dádivas; nenhuma queixa, ne­nhuma crítica (Como? Você precisa de ajuda outra vez?), nenhum motivo escuso, nenhuma relutância. O Deus dos cristãos é caracterizado pelo hábito de dar livre e generosamente, até o ponto da prodigalidade.

E que dádivas concede o Senhor! Dá sabedoria, que nesta carta é equivalente ao Espírito Santo, dádiva que os leitores de Tiago, sendo ex-judeus, reconheceriam como um dos dons da era vindoura (como o fizeram as pessoas dos rolos do mar Morto). A sabedoria vem ao crente mediante Cristo (1 Coríntios 1:24; 2:4-6). Certamente, é disso que precisamos a fim de resistir às provações e chegar à perfeição.

1:6 Nem todos recebem, todavia, a sabedoria que pedem. "Onde está esse poder espiritual?", alguém poderia perguntar. "Se Deus é tão generoso, onde está a sabedoria de que eu preciso a fim de discernir a situação, resistir à provação e chegar à perfeição?" E certo que tais perguntas eram formuladas, porque Tiago dá a resposta: Peça-a, porém, com fé, não duvidando.

Em primeiro lugar, o crente deve pedir com fé, isto é, num contexto de confiança. Fé, aqui, não é mero conhecimento intelectual (fé em 2:19 é simples conhecimento intelectual). Tiago não acha que basta a pessoa dar assentimento intelectual a uma doutrina para receber a bênção (e. g., Deus dará aos crentes o que eles lhe pedirem; portanto, o Senhor lhes dará sabedoria, se lhe pedirem). Não parece que Tiago está exigindo que se proceda a uma pesquisa a fim de apurar o grau de verdade de determinada questão (e. g., que aquela promessa re­almente foi feita por Jesus, ou que, em cada grupo de 100 pessoas que oraram, todas receberam o que pediram, enquanto apenas 50 pessoas, de um grupo semelhante de pessoas que não oraram pedindo algo, obtiveram resultado satisfatório); parece que Tiago está exigindo fi­delidade no compromisso. Portanto, tampouco ele está referindo-se à fé como um sentimento emocional (i.e., se as pessoas puderem con­tinuar sentindo que Deus vai verdadeiramente conceder-lhes sabedoria, elas a receberão). É certo que essa é a forma por que Tiago tem sido interpretado pelos comentaristas posteriores, tanto os da religião popular, moderna, como os dos tempos antigos. Contudo, Tiago não está tentando incentivar os crentes a enfiar suas dúvidas nas profundezas do coração, enquanto fazem ressoar um sentimento emocional de certeza: Tiago incentiva-os a ser fiéis. Fé para Tiago é fidelidade absoluta a Deus, sem ambigüidade, uma confiança total em Deus porque Deus é Deus. Portanto, a fé permanece descansando em Deus, a despeito da dúvida, e resiste à provação. A fé exprime-se no "se não", dos amigos de Daniel (Daniel 13:15). Trata-se de confiança fervorosa em Deus, ou de resistência ao lado de Deus, a despeito das circunstâncias externas.

Devido a este fato, o oposto da fé (não duvidando) é a dúvida. A pessoa que duvida não está duvidando que Deus fará algo específico, mas está duvidando em geral. "Será que Deus realmente age hoje?", ou, numa expressão mais profunda: "Será que posso confiar que Deus fará o que é o melhor para mim, ou devo procurar meus interesses por mim mesmo?". É possível que Tiago esteja aplicando aqui uma tradição proveniente de Jesus, semelhante à de Mateus 21:21: "Em verdade vos digo que, se tiverdes fé e não duvidardes... fareis o que foi feito à figueira".

O que duvida é semelhante à onda do mar. O quadro é vivido: quem duvida é "alguém que vive num conflito interno entre confiar em Deus e desconfiar de Deus". (F. Mussner, Der Jakobusbrief[Freiburg: Herder, 1967], p. 70.) Durante um culto, a pessoa é inspirada pela música, pelas palavras de louvor ou pela exortação do sermão, e confia plenamente em Deus. Lá fora, essa pessoa enfrenta os furacões da adversidade e, em vez de confiar a despeito de seus sentimentos, desiste de lutar e só crê naquilo em que seus próprios recursos e seu próprio raciocínio podem conseguir-lhe. A semelhança da água do mar, que é atirada de um lado para outro, o crente instável avança e retrocede, não chegando a lugar algum.

1:7-8 Não pense tal homem, diz Tiago (para distinguir com clareza esse indivíduo de outras pessoas de fé estável), que receberá do Senhor alguma coisa. É óbvio que Tiago não pode ter toda a certeza de que tal homem, ou mesmo o blasfemo mais perverso, nada receberá do Senhor. Deus é gracioso e bondoso, e com freqüência dá mais do que prometeu, e sempre concede mais do que as pessoas merecem. Sol e chuva caem sobre bons e maus igualmente. Todavia, uma pessoa assim, que hesita entre Deus e o mundo não deve esperar alguma coisa da parte do Senhor. Tal pessoa não tem o direito de esperar alguma coisa, e menos ainda sabedoria, visto que ela não está seguindo os princípios adequados. Todas as promessas do evangelho presumem que haja fidelidade da parte do crente para com Deus, e confiança no Senhor (e.g., a fórmula "em meu nome", João 14:14). Sem esta confiança, há uma questão mais funda­mental a ser resolvida, diferente do item solicitado em oração: tal questão básica é a da confiança. Enquanto a pessoa não tiver solucionado essa questão, não está em posição de começar a orar.

A firma Tiago que tal indivíduo é homem vacilante, a saber, in­constante em todos os seus caminhos. O judeu pré-cristão Siraque já havia afirmado: "Meu filho, não desobedeças ao temor do Senhor, e dele não te aproximes com um coração vacilante" (1:28) e "ai dos corações cheios de medo, e mãos enfraquecidas, ai do pecador que anda em dois caminhos... ai de vós que perdestes vossa resistência" (2:12-14). Tiago tem essa mesma preocupação por essa pessoa de mente dobre. Se a mente de uma pessoa estiver dividida, e não sabe, re­almente, em quem deve confiar, ninguém pode confiar em tal pessoa. Trata-se de alguém que não apenas não tomou sua decisão ainda, mas é também inconstante. Entretanto, tal pessoa pode "confiar" em Deus e ser membro de uma igreja cristã, mesmo tendo o coração cheio de dúvida, deixando emocionalmente em aberto suas opções e fontes de apoio contraditórias. No seu íntimo há uma instabilidade básica que, no fim, se tornará evidente em seu comportamento. Não se pode confiar em tal pessoa, visto que se assemelha ao corvo da fábula de Esopo, que tentava andar em dois caminhos ao mesmo tempo. A convocação implícita é à fidelidade. "Ponha todos os ovos num único cesto", e que esse cesto seja Deus. Sem fidelidade a oração é vã. Tiago 4:1-10 deixa esse conceito claríssimo.

1:9 / Um dos sinais da confiança em Deus é a capacidade de ver além das circunstâncias atuais. Aqui Tiago volta a um tema discutido no versículo 2, que ele agora concretiza ao dizer: Glorie-se o irmão de condição humilde... Deve tratar-se de um irmão, visto que só o cristão tem recursos para enxergar além das atuais circunstâncias. O crente é um membro da comunidade pertencente à era vindoura, mas também é membro da comunidade dos pobres, na era presente. O termo condição humilde indica não apenas uma pessoa a quem faltam bens materiais e, por isso, leva uma existência da mão-à-boca, lutando a fim de conseguir o mínimo necessário para continuar vivendo (e às vezes incapaz de conseguir esse mínimo), mas refere-se também ao socialmente desprezado. Esse crente é uma pessoa cuja sorte na vida deixou-o humilhado.

O crente deve gloriar-se na sua alta posição. Tal exortação visa a fazer o crente exultar ou gloriar-se (sentir orgulho) em sua situação. Que contraste com sua situação social visível! Em que tal pessoa poderia gloriar-se? A resposta é: "na sua alta posição". Isso não significa que Deus levantará o crente no futuro, mas que já o levantou. Aqui está um pobre crente que sabe que é herdeiro do universo (Mateus 5:3, 5; Tiago 2:5). Eis o regozijo de Maria, que viu Deus encher de bens os famintos e elevar os humildes na pessoa dela mesma (Lucas 1:52-53). Tal pessoa percebe que as circunstâncias externas humildes não constituem a essência da situação. Esse indivíduo não é meramente uma pessoa rica, tampouco um dos poderosos da Palestina, mas um filho de Deus, herdeiro do Senhor, que receberá um reino de amplitude mundial. O crente tem muito de que orgulhar-se — ou gloriar-se — mas só se torna visível aos que têm fé e confiança.

1:10 O rico, no entanto, dificilmente ocupa essa posição gloriosa. É certo que os ricos estão numa situação em que se podem gloriar. Afinal, não sofrem privação material alguma, a fome não os acossa, seus filhos são bem alimentados e sadios, são poderosos na cidade, recebem respeito de todos os que os rodeiam (cf. Salmo 73). Não deveriam os ricos regozijar-se em sua prosperidade, como se ela fora uma dádiva de Deus? Não, diz Tiago; em vez disso, glorie-se o rico na sua insignificância.

Dois comentários podem esclarecer esse raciocínio. Primeiro, o rico. Não seja o leitor levado a supor que pode inserir a palavra "cristão" (a qual não aparece no texto grego) para qualificar "o rico". Em Tiago, "rico" é sempre aquele de fora da comunidade cristã, incrédulo. Na verdade, os ricos são os opressores da comunidade (2:6; 5:1-6).

Em segundo lugar, a convocação às pessoas para que "se gloriem" é irônica em dois sentidos. Por um lado, quando os ricos se convertem, compartilham seus bens, identificando-se com a "escória" pobre que antes desprezavam e perseguiam. Tornam-se um com o grupo que a si mesmo se chama pobre, mas é exaltado por Deus, embora desprezado pela sociedade. Aqui há, realmente, algo em que podemos gloriar-nos; todavia, é exatamente no fato de perder o "status" de rico, e em ser "rebaixado" ao nível humilde da igreja, que o rico pode gloriar-se. Por outro lado, visto que Tiago não espera que os ricos em sua maioria se convertam, mas que caiam no julgamento de Deus, há grande ironia em exortá-los a que se gloriem, visto que aquilo de que tanto se orgulham hoje, na verdade, é sua maior humilhação. Como 5:1-6 esclarece, são as evidências que os condenarão; as evidências lhes devorarão as carnes no Dia do Julgamento. São como crianças que se regozijam nas traquinagens, não sabendo que o pai está chegando e que aquilo que agora constitui motivo de gozo, as evidências de suas desobediências, serão sua maior humilhação dentro de alguns segundos. São ricos — ricos loucos (Lucas 12:13-21).

O fato é que o rico... passará como a flor da erva. Impressiona-nos a riqueza, e o rico nos parece muito importante agora, mas, se pudéssemos vê-lo da perspectiva de Deus, entenderíamos que a apa­rência de grandeza é semelhante a uma bolha de sabão. Eis que a morte se aproxima e a riqueza desaparecerá; o rico desnudado descerá destituído de seus bens às profundezas do inferno (como vemos em Jó 15:30 e Provérbios 2:8, no Antigo Testamento; nos Apócrifos, Siraque 14:11-19; 2 Baruque 82:3-9; e no Novo Testamento, Mateus 6:19-21). Reitera-se a perspectiva adequada, bastante crítica. Somente mediante a perspectiva de Deus a da era vindoura podemos reconhecer essa verdade e a amarga ironia nela contida.

1:11 O quadro que Tiago usa a fim de imprimir essa idéia na mente de seus leitores é o de um fenômeno dramático, observado na Palestina. As anêmonas e as ciclamens florescem maravilhosamente pela manhã, mas, à medida que o sol vai subindo e o dia se torna mais quente, elas vão pendendo, murcham e acabam morrendo. No final da tarde as flores que havia pouco estavam em pleno viço agora não mais existem, e não renascerão. É provável que esse quadro tenha sido tirado de Isaías 40:6-8 (também é empregado em 1 Pedro 1:24), mas o sentido é singularmente de Tiago. O rico é a flor cuja aparência é tão impres­sionante. Contudo, da perspectiva dos céus, a situação desse rico é precária na verdade. Logo sobrevirá algum problema, alguma doença, e onde estará depois o rico? Em face da morte, as riquezas são absolutamente insignificantes (cf. Jó 15:30; Provérbios 2:8; Salmos 73; Mateus 6:19-21). O rico murchará também enquanto vai andando em seus caminhos. A memória que dos ricos restará não será eterna, cheia de glória, como imaginavam que fosse, mas dissolver-se-á no pó, à semelhança de qualquer mortal, e logo seus monumentos e a própria lembrança deles se desfarão, desaparecendo no esquecimento. Isso era tudo que o rico teve, visto que, diferentemente do pobre, que havia sido "levantado" e, dessa maneira, veio a gozar de um lugar eterno junto a Deus, o rico recebeu toda sua consolação aqui na terra, pelo que mergulhou para sempre nas trevas e no esquecimento, cortado bem no meio de seus caminhos.

Nesse momento Tiago inicia a segunda parte da sua declaração de abertura. Embora verse sobre os mesmos temas, não é repetitivo, pois cada tema é ampliado. Trata-se aí das causas interiores do fracasso nas provações e não dos benefícios gerais advindos da provação. Debate-se a boa dádiva de Deus em relação ao problema do diálogo e não em relação à oração e à sabedoria. Agora focaliza-se a prática da fé (que significa repartir com generosidade), e não o debate da situação real do rico e do pobre. Todos esses temas acabarão por fundir-se nos debates de maior monta da conclusão.


Bibliografia Davids
Bibliografia De Lima

Nenhum comentário:

Postar um comentário