segunda-feira, 23 de junho de 2014

As Duas Sabedorias



As Duas Sabedorias (3.13-18)
           
            Modos de vida contrastantes são retratados nesta passagem, usando-se os dois tipos de sabedoria; e, embora esta perspectiva seja basicamente judaica, a forma literária é grega.

3:13 Tiago já fez a apologia da fala singela, sincera; agora, faz um apelo. Quem entre vós é sábio e entendido? Em certo nível, esta é uma pergunta que simplesmente quer saber se alguém se enquadra na descrição, mas num nível mais profundo lembramo-nos de que l Co 1-3 descreve uma igreja em que um ensino rival vindicava possuir sabedoria superior, e é possível que isso também estivesse acontecendo na comunidade de Tiago. Pelo menos Tiago sabia que os mestres de 3:1 afirmavam ser compreensivos, pois de que outra maneira poderiam ensinar? É a tais pessoas, e também às que aspiram compreensão, que Tiago se dirige.
De que maneira podem tais pessoas "mostrar" sua sabedoria? Mostre... Seria mediante a inteligente refutação daquele que discorda de sua posição? De modo algum; em vez disso, que mostre pelo seu bom procedimento... Jesus havia dito que distinguiríamos os verdadeiros mestres dos falsos pelo seu modo de viver (Mt 7:15-23). Tiago está aplicando o ensino de seu Mestre. O procedimento era absolutamente crucial para a igreja primitiva. Os presbíteros eram acima de tudo exemplos (l Pe 5:3; l Tm 4:12; 2 Tm 3:10-11), e, num segundo plano, mestres. Suas qualificações enfatizam suas vidas exemplares, e, se há menção da habilidade para ensinar, esta é apenas uma dentre outras muitas (l Tm 3; Tt 1). O modo de viver constituía também um testemunho importante (l Pe 2:12; 3:2, 16), visto que, se não houvesse sucesso na evangelização de um incrédulo, pelo menos eliminava as desculpas das bocas dos incrédulos no dia do julgamento final. Tiago declara que não é a ortodoxia da pessoa (pregação correta), mas sua ortopraxia(Correção mecânica de deformações) (vida correta) que representa a marca da verdadeira sabedoria. O crente deve recusar o mestre que não vive à semelhança de Jesus; você deve descartar a profissão de fé que não conduz à santidade.
Tiago enfatiza duas marcas deste modo de viver. A primeira chama-se boas obras. As obras — nosso procedimento — falam mais alto do que nossas palavras (Mt 5:16). As obras que determinada pessoa realiza demonstram onde tal pessoa investiu verdadeiramente seu coração (e.g., Mt 6:19-21, 24). Tiago elogia práticas tais como a caridade, o cuidado às viúvas, como marcas de sabedoria.
A segunda marca relaciona-se ao desempenho dessas obras em mansidão de sabedoria. De modo diferente dos hipócritas de Mt 6:1-5, os verdadeiramente sábios sabem como agir com mansidão (humildade): não estão edificando suas próprias reputações. À semelhança de Moisés (Nm 12:3) e de Jesus (Mt 11:29; 21:5; 2 Co 10:1), não estão interessados em defender-se. Evitam conflitos, e de modo especial evitam fazer propaganda de si mesmos. A humildade (ou mansidão) é a marca do verdadeiro sábio.

3:14 Por outro lado, se o coração do crente é marcado, não pelo comportamento santo, pela mansidão humilde e pelas boas obras, mas revela amarga inveja e sentimento faccioso, o quadro é outro, bem diferente. Todas estas palavras descrevem as condições de vosso coração, e refletem o ponto de vista de Deus. A pessoa não deve permitir que essas características lhes penetrem na consciência de forma disfarçada. A inveja mencionada por Tiago é "um zelo severíssimo", ou "rivalidade"; o mesmo termo pode ter um significado positivo, o "zelo" que transparece noutras passagens escriturísticas (e.g., l Rs 19:10), e é certo que a pessoa com essa característica persuadiu-se de que esse é seu caso. Na verdade, trata-se de rigidez resultante de orgulho pessoal. Amarga inveja é diferente do amor e do zelo firme de alguém que tem plenitude de Deus; "amargo" é um adjetivo que descreve bem a vítima da inveja; seria um "zelo" tingido pela amargura. Não importam os motivos esplendorosos que podem ser proclamados: a dureza áspera no tom do cinismo demonstrado contra os adversários revela a horrorosa inveja.
Com tais vícios combina-se bem o espírito faccioso, que em NIV é "ambição egoísta", (Gl 5:20; 2 Co 12:20). No calor da rivalidade, o líder acha que deve retirar-se, de algum modo, a fim de "testemunhar a verdade" que o principal grupo de cristãos rejeitou. Esta é uma questão extremamente sensível, visto que a história da igreja conhece grupos que foram expulsos ou tiveram de retirar-se cheios de dor e tristeza, por serem testemunhas da verdade; houve épocas em que isto foi necessário. Todavia, com muita freqüência o que começa como um testemunho fica sutilmente maculado pela rivalidade, que induz à separação.
Se estes vícios caracterizam seu coração, não vos glorieis, nem mintais contra a verdade. "Não mintais contra a verdade é tradução literal do grego, que NIV traduziu:”não negueis a verdade". Algumas pessoas poderiam estar reivindicando, em total oposição às evidências levantadas por Tiago, estarem cheias do Espírito de Deus. Tiago lhes roga que não agravem seu problema ao continuar asseverando que é Deus quem lhes motiva tão grande rivalidade. Ao jactar-se de seu zelo, ou quando discutem sem parar a justiça de sua causa, atiram a causa do reino de Deus ao escândalo e acabam cegos espiritualmente.

3:15 A pessoa invejosa não é inspirada por Deus: Essa não é a sabedoria que vem do alto. Tiago cria que a sabedoria vem de Deus (1:5), visto ser um de seus maravilhosos dons (1:17). O ensino judaico também ligava a sabedoria ao dom ou à presença do Espírito de Deus (e.g., Gn 41:38-39; Êx 31:3-4; Pv 2:6; 8:22-31). Assim, poderíamos parafrasear Tiago dizendo: "este comportamento não é inspirado pelo Espírito de Deus".
Qual é, então, a fonte ou o caráter dessa "sabedoria" que inspira tal tipo de pessoa? Primeiramente, é terrena. Aparentemente, afirmar que algo pertence à terra não é mau, mas torna-se mau se afirmarmos que veio de Deus (l Co 15:40). Por isso, Tiago nos antecipa que a inspiração dessas pessoas na melhor das hipóteses provém delas mesmas, de seu ego natural. Em segundo lugar, é animal, i.e., não-espiritual, carnal. O termo é empregado noutras passagens do Novo Testamento, com outras traduções, para caracterizar a pessoa que não tem o Espírito de Deus (Jd 19), ou que "não compreende as coisas do Espírito de Deus" (l Co 2:14). Esta "sabedoria", então, não faz parte de sua natureza redimida, mas caracteriza a pessoa para quem o verdadeiro caminho do Espírito é estranho. Os caminhos do mundo — o poder, o comando (cf. Mc 10:45), a estratégia, as prerrogativas — são os que tais pessoas entendem, não a mansidão humilde, o amor, a auto-entrega. Em terceiro lugar, é diabólica. Há uma fonte de inspiração para essa "sabedoria", mas não é divina. As pessoas afirmam que aquele espírito de competição é inspirado. "É inspirado, é mesmo", redargúi Tiago, "é inspirado pelo próprio diabo!". Neste ponto, Tiago atingiu o xis da questão.

3:16 Como que para arrematar sua argumentação, Tiago prossegue: Pois onde há inveja e sentimento faccioso, aí há confusão e toda obra má. Esta acusação não decorre de mera argumentação baseada na "teoria do dominó", mas é a conseqüência lógica dos dois primeiros vícios. A rivalidade e o espírito partidário destroem a coesão da comunidade cristã, que se edifica na unidade e no amor. Destruída a "cola", todo tipo de desordem e rebelião penetra a comunidade. Mais do que isso, a auto-afirmação e a independência próprias da inveja, do "zelo" doentio, destroem a capacidade de a comunidade disciplinar-se de acordo com a tradição apostólica (Mt 18:15-20; Gl 5:25; 6:5). Destruídos os "freios" da reprovação mútua, e havendo necessidade de "aceitar as coisas" por medo do criticismo que levaria outrem a formar seu próprio partido ("panelinha"), fica fácil ver como toda obra má vai infiltrando-se. Para Tiago, a solidariedade comunitária é importantíssima como era para Paulo (2 Co 12:20; Fp 2:4), visto que, sem ela, ocorre a desintegração moral e comunitária.

3:17 Contrastando de modo completo com a "sabedoria" demoníaca, temos a sabedoria que vem do alto. Para salientá-la, Tiago relaciona um catálogo de virtudes que podem ser comparadas, tanto em forma quanto em conteúdo, com o catálogo de Paulo quanto ao amor e ao Espírito (l Co 13; Gl 5:22ss). Esta sabedoria é primeiramente pura, o que significa que a pessoa está sincera e totalmente comprometida de seguir com fidelidade as diretrizes morais de Deus; não existem motivos pérfidos ou injustos por trás de sua
santidade.
Dessa pureza se diz que conduz a outras virtudes: é pacífica (como em Hb 12:11; Pv 3:17), que se refere não à paz íntima, porém à paz comunitária; moderada (Fp 4:5); l Tm 3:3; Tt 3:2), que denota um espírito conciliador, inimigo de contendas; e tratável, que indica um espírito aberto ao aprendizado, maleável, uma pessoa que com toda a alegria se submete à correção de um erro ou ao aprendizado de uma nova verdade.
A sabedoria é prática, porque se apresenta cheia de misericórdia (expressão grega da qual se derivou a palavra esmola) e de bons frutos, que são os atos de caridade que Tiago já discutiu (1:26-27; 2:18-26). Portanto, a sabedoria não é primordialmente um conceito intelectual, mas uma habilidade prática para discernir a vontade de Deus e agir em conformidade.
Finalmente, a sabedoria é sem parcialidade, e sem hipocrisia, i.e., imparcial e sincera, livre de preconceitos. Não ficou bem claro se esta libertação de preconceitos refere-se à ausência do espírito de partidarismo (imparcialidade para receber outros irmãos na fé), ou se significa "ter uma visão singela", "firmeza de caráter" (o oposto de 1:6-8). Talvez se refira a esta última opção, visto que vem perto de "sem hipocrisia" (que é tradução literal do termo grego; NIV preferiu "sincera"). Juntos, esses termos indicam pessoas cujos motivos interiores são sinceros, sem hipocrisia, e cujos atos externos são coerentes. As pessoas jamais precisarão duvidar "de onde vieram", porque tais pessoas não têm espírito partidário e agem da mesma forma sempre perante todas as pessoas.

3:18 Tiago resume sua explanação com um provérbio: o fruto da justiça semeia-se em paz para os que promovem a paz. A colheita da bondade ou da justiça é bem conhecida na literatura bíblica (e.g., Is 32:16-18; Am 6:12). Em outras palavras, boas obras serão produzidas pelos atos dos pacificadores. Algumas pessoas tentam ser justas de maneira tal que produzem divisões na comunidade. Em vez disso, o provérbio assinala a bondade como o fruto natural da vida de um pacificador, sendo esse o ponto crucial de Tiago: a pacificação, e não uma violenta "luta pela verdade", é o que conduz à justiça.
A expressão reiterada "semeia-se em paz" apenas sublinha o fato de que a pacificação é atividade que produz verdadeira paz externa. O próprio Tiago é retratado como pacificador em At 15 e 21, mas seu ensinamento não deriva de uma preferência pessoal, mas

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