Tribulação e Tentação (1:12-15)
Esta seção consiste de duas unidades, tratando o verso 12 da
provação que deve ser suportada, e, os versos 13
a 15, da tentação que deve ser
resistida. As duas unidades são ligadas em estilo parenético (Eloqüência sagrada, Coleção
de discursos morais), mediante o uso de várias formas da mesma palavra grega (peirasmos) que
significa tanto
provação como tentação (cf. 1:2-4). É possível afirmar-se que uma unidade de
pensamento existe em toda a seção, porque, na verdade, cada tentação introduz uma provação, mas mesmo deste ponto de vista uma ligação literária existe entre o verso 12 e os versos 13 a 15.
A forma literária do verso 12 é a das beatitudes judaicas, que
costumeiramente consistiam de pronunciamentos de bênçãos, seguidos por uma
definição da bem-aventurança (cf. Mt 5:2-12). A primeira parte deste versículo
segue esta forma, ao pronunciar bem-aventurado ou ao dizer
que Deus olha com favor para o homem (crente) que suporta a
provação (cf. 1:2-4), mas o resto do versículo vai um pouco além da forma de
beatitude, que seria completada na conclusão receberá a
coroa da vida. A conclusão mais elaborada de Tiago esclarece ainda mais a primeira parte do verso 12 e
é, de fato, superficialmente paralela a ela; aquele que suporta a provação claramente
foi aprovado, e a persistência é a marca dos que o amam.
A coroa da vida (cf. II Tm 4:8; I Pd 5:4; Ap 2:10) é a recompensa
final e pode ser parafraseada "coroados com vida". A expressão aos
que o amam tem a sua base primitiva no judaísmo (cf. Dt 7:9), mas o uso que dela
faz Tiago provavelmente expressa a tradição da igreja primitiva (cf. 2:5). Na
sua totalidade, o verso 12 se relaciona intimamente com 1:2-4 e expressa o
pensamento daquela passagem além da peregrinação terrena do crente.
Tiago introduz um novo
pensamento com o verso 13, e afirma que
Deus não é fonte de tentações para
pecar. Evidentemente, ele estava mencionando uma situação em que alguns cristãos estavam direta ou indiretamente culpando Deus pelos seus fracassos. Tiago focaliza a
responsabilidade pelo pecado frontalmente no homem, sustentando a sua posição
negativamente, ao afirmar um conceito helenista (Pessoa versada na língua e na
civilização da Grécia antiga) popular: Deus não pode ser tentado pelo mal e
ele a ninguém tenta (cf. Blackman, p. 53 e 54). Isto parece ser o oposto
aos rogos "e não nos deixes entrar em tentação (Mt 6:13), mas a palavra grega aqui deve,
provavelmente, ser entendida mais como "provação" do que
"tentação".
Tiago
reafirma positivamente a sua posição, ao descrever o drama, em desenvolvimento,
do mal, desde o desejo até a morte. O processo que leva ao pecado começa com a concupiscência
(paixão); e com cores vividas Tiago descreve o poder da cobiça com palavras que se referem a peixe,
ou caça, que é atraído e engodado por uma isca para capturá-lo.
No verso 15. o quadro muda para um contexto biológico: a concupiscência concebe e dá à
luz o pecado. Mas a idéia ainda não está completa — o pecado permanece até
ser consumado, e neste ponto ele se manifesta como morte — o que
ele realmente é. Dificilmente o homem entende o que significa, para ele,
pecar, até que se defronta com o pecado na forma de morte. A morte do
verso 15 se levanta em agudo contraste com a vida do verso 12; a persistência leva à vida; mas
ceder à tentação leva à morte.
Tiago
está preocupado, em primeiro lugar, com o fato de que o homem é responsável
pelo seu próprio pecado; e isto é válido porque, em última análise, o próprio
indivíduo decide pecar. Esta perspectiva não deve ser enfatizada ao ponto de
deixar passar despercebidas as forças malignas e circunstâncias individuais
que contribuem para a decisão de uma pessoa pecar. Tiago simplesmente está
discutindo o assunto do ponto de vista da responsabilidade do homem, e não do
da teologia ou filosofia, e, desta forma, não precisa tratar do problema do mal
cósmico ou Satanás.
A conexão
do pensamento entre a seção anterior e esta é estabelecida pela advertência do
autor: não vos enganeis — Deus não manda tentação (1:13-15); ele manda
boas dádivas.
As
expressões boa dádiva e dom perfeito definem o que Tiago sente
que Deus dá, em contraposição à idéia de que ele dava tentações ou alguma
dádiva má (1:13-15). Tiago desenvolve este pensamento afirmando que Deus nunca
muda em sua maneira de dar — nele não há mudança nem sombra de variação. Esta
descrição traduz material que coloca o problema tanto em termos de qual é o
melhor texto como de o que significam estas palavras. A alternativa textual é
representada pela frase que algumas autoridades apresentam como "variação
devida a uma sombra de mudança" e resulta na omissão do nem no
texto da versão da IBB. Assim, o problema é basicamente se esta expressão,
descrevendo o que Deus dá, tem dois elementos nela — não há mudança e
não há sombra de variação — ou deve ser concebida como um todo.
Provavelmente, a melhor solução para o problema textual é o representado pelo
texto da RSV e da IBB, mas as muitas sugestões propostas pelos estudiosos
demonstram que o texto é, no mínimo, bastante difícil (veja Ropes, p. 162-164,
e Dibelius, p. 131 e 132).
O
significado preciso dos termos gregos também é difícil de determinar e está
ligado a outras variações textuais. A expressão variação provavelmente
se refere à constante alteração da intensidade da luz, dada pelo sol e pela
lua, e significa que a bondade de Deus em dar não muda nem aumenta nem diminui.
A expressão sombra de variação é mais difícil, e o seu significado exato é determinado pela proporção em que se aplica à imagem astronômica. Pode significar que Deus não é "escondido
como um eclipse" ou que para com Deus
não há "a menor possibilidade de mudança". Em qualquer caso,
a intenção do autor é aparente: Deus é o Pai
(criador) das luzes (corpos celestiais), e ele não muda como elas — os dons de Deus são sempre bons.
Tiago
ilustra a boa dádiva de Deus, indicando que ele nos regenerou ou gerou pela palavra da verdade (o evangelho). A referência às primícias das suas criaturas enfatiza
que os crentes pertencem supremamente a Deus e demonstra a sua bondade, porque as primícias
de uma árvore indicam a qualidade dela e eram dedicados a Deus (cf. Dt
18:4). Alguns eruditos acham que a referência, aqui em Tiago, é a judeus e à
criação, e não aos cristãos e à regeneração, mas o uso do termo primícias, na tradição cristã, torna esta última hipótese mais provável
(cf. I Co 15:20-23; Ap 14:4).
Bibliografia Braadman
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