segunda-feira, 23 de junho de 2014

Tribulação e Tentação



Tribulação e Tentação (1:12-15)
Esta seção consiste de duas unidades, tratando o verso 12 da provação que deve ser suportada, e, os versos 13 a 15, da tentação que deve ser resistida. As duas unidades são ligadas em estilo parenético (Eloqüência sagrada, Coleção de discursos morais), mediante o uso de várias formas da mesma palavra grega (peirasmos) que significa tanto provação como tentação (cf. 1:2-4). É possível afirmar-se que uma unidade de pensamento existe em toda a seção, porque, na verdade, cada tentação introduz uma provação, mas mesmo deste ponto de vista uma ligação literária existe entre o verso 12 e os versos 13 a 15.
A forma literária do verso 12 é a das beatitudes judaicas, que costumeiramente consistiam de pronunciamentos de bênçãos, seguidos por uma definição da bem-aventurança (cf. Mt 5:2-12). A primeira parte deste versículo segue esta forma, ao pronunciar bem-aventurado ou ao dizer que Deus olha com favor para o homem (crente) que suporta a provação (cf. 1:2-4), mas o resto do versículo vai um pouco além da forma de beatitude, que seria completada na conclusão rece­berá a coroa da vida. A conclusão mais elaborada de Tiago esclarece ainda mais a primeira parte do verso 12 e é, de fato, superficialmente paralela a ela; aquele que suporta a provação claramente foi aprovado, e a persistência é a marca dos que o amam.
A coroa da vida (cf. II Tm 4:8; I Pd 5:4; Ap 2:10) é a recompensa final e pode ser parafraseada "coroados com vida". A expressão aos que o amam tem a sua base primitiva no judaísmo (cf. Dt 7:9), mas o uso que dela faz Tiago provavelmente expressa a tradição da igreja primitiva (cf. 2:5). Na sua totali­dade, o verso 12 se relaciona intimamen­te com 1:2-4 e expressa o pensamento daquela passagem além da peregrinação terrena do crente.
Tiago introduz um novo pensamento com o verso 13, e afirma que Deus não é fonte de tentações para pecar. Evidente­mente, ele estava mencionando uma situação em que alguns cristãos estavam direta ou indiretamente culpando Deus pelos seus fracassos. Tiago focaliza a responsabilidade pelo pecado frontalmente no homem, sustentando a sua posição negativamente, ao afirmar um conceito helenista (Pessoa versada na língua e na civilização da Grécia antiga) popular: Deus não pode ser tentado pelo mal e ele a nin­guém tenta (cf. Blackman, p. 53 e 54). Isto parece ser o oposto aos rogos "e não nos deixes entrar em tentação (Mt 6:13), mas a palavra grega aqui deve, provavelmente, ser entendida mais como "provação" do que "tentação".
Tiago reafirma positivamente a sua posição, ao descrever o drama, em desenvolvimento, do mal, desde o desejo até a morte. O processo que leva ao pecado começa com a concupiscência (paixão); e com cores vividas Tiago descreve o poder da cobiça com palavras que se referem a peixe, ou caça, que é atraído e engodado por uma isca para capturá-lo. No verso 15. o quadro muda para um contexto biológico: a concupiscência concebe e dá à luz o pecado. Mas a idéia ainda não está completa — o pecado permanece até ser consumado, e neste ponto ele se manifesta como morte — o que ele real­mente é. Dificilmente o homem entende o que significa, para ele, pecar, até que se defronta com o pecado na forma de morte. A morte do verso 15 se levanta em agudo contraste com a vida do verso 12; a persistência leva à vida; mas ceder à tentação leva à morte.
Tiago está preocupado, em primeiro lugar, com o fato de que o homem é responsável pelo seu próprio pecado; e isto é válido porque, em última análise, o próprio indivíduo decide pecar. Esta perspectiva não deve ser enfatizada ao ponto de deixar passar despercebidas as forças malignas e circunstâncias indi­viduais que contribuem para a decisão de uma pessoa pecar. Tiago simplesmente está discutindo o assunto do ponto de vista da responsabilidade do homem, e não do da teologia ou filosofia, e, desta forma, não precisa tratar do problema do mal cósmico ou Satanás.
A conexão do pensamento entre a seção anterior e esta é estabelecida pela adver­tência do autor: não vos enganeis — Deus não manda tentação (1:13-15); ele manda boas dádivas.
As expressões boa dádiva e dom perfeito definem o que Tiago sente que Deus dá, em contraposição à idéia de que ele dava tentações ou alguma dádiva má (1:13-15). Tiago desenvolve este pensa­mento afirmando que Deus nunca muda em sua maneira de dar — nele não há mudança nem sombra de variação. Esta descrição traduz material que coloca o problema tanto em termos de qual é o melhor texto como de o que significam estas palavras. A alternativa textual é representada pela frase que algumas autoridades apresentam como "variação devida a uma sombra de mudança" e resulta na omissão do nem no texto da versão da IBB. Assim, o problema é ba­sicamente se esta expressão, descrevendo o que Deus dá, tem dois elementos nela — não há mudança e não há sombra de variação — ou deve ser concebida como um todo. Provavelmente, a melhor so­lução para o problema textual é o repre­sentado pelo texto da RSV e da IBB, mas as muitas sugestões propostas pelos estudiosos demonstram que o texto é, no mínimo, bastante difícil (veja Ropes, p. 162-164, e Dibelius, p. 131 e 132).
O significado preciso dos termos gre­gos também é difícil de determinar e está ligado a outras variações textuais. A ex­pressão variação provavelmente se refere à constante alteração da intensidade da luz, dada pelo sol e pela lua, e significa que a bondade de Deus em dar não muda nem aumenta nem diminui. A expressão sombra de variação é mais difícil, e o seu significado exato é determinado pela pro­porção em que se aplica à imagem astro­nômica. Pode significar que Deus não é "escondido como um eclipse" ou que para com Deus não há "a menor possi­bilidade de mudança". Em qualquer caso, a intenção do autor é aparente: Deus é o Pai (criador) das luzes (corpos celestiais), e ele não muda como elas — os dons de Deus são sempre bons.
Tiago ilustra a boa dádiva de Deus, indicando que ele nos regenerou ou gerou pela palavra da verdade (o evan­gelho). A referência às primícias das suas criaturas enfatiza que os crentes perten­cem supremamente a Deus e demonstra a sua bondade, porque as primícias de uma árvore indicam a qualidade dela e eram dedicados a Deus (cf. Dt 18:4). Alguns eruditos acham que a referência, aqui em Tiago, é a judeus e à criação, e não aos cristãos e à regeneração, mas o uso do termo primícias, na tradição cristã, torna esta última hipótese mais provável (cf. I Co 15:20-23; Ap 14:4).

Bibliografia Braadman

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