segunda-feira, 23 de junho de 2014

Um estímulo à paciência perseverante



Um estímulo à paciência perseverante (5.7-11)

O Salmo 37 é um maravilhoso cântico de ânimo dirigido ao justo. Este é descrito como "pobre e necessitado" (v. 14), que está a sofrer perseguição sob a mão do ímpio (vv. 12-15,32-33). Ele é tentado a invejar a prosperidade e bem-estar do ímpio (vv. 1, 7) e também, um tanto paradoxalmente, a se impacientar para que o ímpio receba julgamento. Nesta situação, o salmista incentiva o justo a "descansar no Senhor" (v. 7); a "deixar a ira" (v. 8), pois Deus, certamente, irá defender o justo e destruir o ímpio (vv. 34-40). Tiago escreve as pessoas justas, principalmente pobres, que estavam sofrendo em circunstâncias semelhantes. Seu conselho é o mesmo do salmista: "sede pacientes", pois "a vinda do Senhor", quando os ímpios serão julgados (5.1-6) e os justos libertados, "está próxima".
7. A transição da denúncia contra ricos não-cristãos para o incentivo aos crentes é assinalada pelo retorno de Tiago à sua forma de tratamento familiar: irmãos. Pois (oun) mostra que este incentivo é baseado na condenação profética dos ímpios e ricos opressores, em 5.1-6: uma vez que Deus irá punir os opressores, os crentes precisam esperar com paciência esta hora. Paciência, é claro, é a idéia chave neste parágrafo. Ela é expressa quatro vezes com a raiz makrothym- (vv. 7 [duas vezes], 8 e 10) e duas vezes com a raiz hypomon- (v. 11). A última raiz figurou proeminentemente no capítulo 1, onde Tiago encoraja seus leitores a "perseverarem" nas provações que eles estavam experimentando. As duas raízes são quase sempre distintas, sendo que geralmente makrothym- é usada para indicar a atitude amorosa e longânima que devemos ter diante dos outros (1 Co 13.4; Ef 4.2; 1 Ts 5.14), enquanto hypomon- em geral se aplica àquela atitude determinada e forte com a qual devemos enfrentar circunstâncias difíceis (2 Ts 1.4). Entretanto, neste parágrafo não se pode achar nenhuma diferença aguda de significado: a makrothymia dos profetas (v. 10) não parece ser diferente da hypomoriê de Jó (v. 11). Uma superposição de significados semelhante pode ser observada no Testamento de José 2.7, onde José, depois de obter êxito na luta contra a tentação da esposa de Potifar, diz que a "perseverança {makrothymia) é um poderoso remédio, e a resistência {hypomoriê) fornece muitas coisas boas" (veja também Cl 1.11). Todavia, makrothymia retém um sentido mais específico nos versículos 7-8, onde descreve não a força nas provações, mas uma atitude de se esperar pacientemente no Senhor.
De forma específica, Tiago incentiva a paciência até a vinda do Senhor. Até (heõs) tem um sentido complexo aqui, sugerindo a idéia de um alvo bem como a de um período de tempo: "exercitem a paciência, enquanto vocês esperam, e buscam, a vinda do Senhor". Parousia, "presença" ou vinda, tornou-se um termo técnico na primeira igreja, aplicado à esperada volta de Jesus em glória para julgar os ímpios (Mt 24.37,39; 2 Ts 2.8) e libertar os santos (1 Co 15.23; 1 Ts 2.19; 3.13; 4.15; 5.23). Esta tradição sugere com força que o Senhor aqui é Jesus, e não Deus Pai (todavia, cf. 2 Pe 3.12).
Como exemplo de paciência, Tiago menciona o lavrador, que precisa aguardar com paciência que a terra produza o precioso fruto do qual depende sua subsistência. Embora a palavra chuvas não seja realmente usada neste texto (alguns manuscritos a acrescentam; outros trazem "fruto"), a referência a as primeiras e as últimas está certamente ligada às chuvas que caíam sobre a Palestina no fim do outono e começo da primavera, as quais eram vitais para a agricultura (çf. Dt 11.14). Embora seja possível que a figura, sendo uma tradicional frase do Antigo Testamento, não diga nada acerca da procedência da carta, é mais provável que Tiago a utilize porque ela se encaixa nas circunstâncias de seus leitores.
8. Como o agricultor que espera pacientemente a semente germinar e a safra amadurecer, os crentes devem esperar com paciência a volta do Senhor que os libertará e julgará seus opressores. Enquanto esperam, eles precisam "fortalecer" (stêrizõ) seus corações. Paulo fez a mesma exortação aos tessalonicenses que aguardavam a parousia (1 Ts 3.13; çf. 2 Ts 2.17), e o autor de Hebreus recomenda que o coração esteja "confirmado com graça", como um antídoto contra o falso ensino (Hb 13.9). O que se recomenda, então, é um firme apego à fé em meio de tentações e provações. À medida que esperam pacientemente a volta de seu Senhor, os crentes precisam fortalecer uns aos outros para a luta contra o pecado e circunstâncias difíceis.
Pode ser perguntado se este conselho é importante para nós, uma vez que Tiago o baseia na "proximidade" do Senhor. Muitos eruditos pensam que a convicção de Tiago de que o Senhor estava "próximo" era um "engano", um engano do qual participaram muitos dos primeiros cristãos e, talvez, até o próprio Jesus. Se isto fosse assim, a legitimidade do curso de ação sugerido aqui por Tiago poderia ser seriamente questionada: que valor teria tal conselho, se a compreensão básica do curso da história, na qual ele se baseia, é um engano? A acusação de que Tiago estava errado neste assunto repousa sobre a suposição de que ele acreditava que a parousia iria necessariamente ocorrer dentro de um breve período de tempo. Mas não há razão para se pensar que isto era assim. A convicção dos primeiros cristãos de que a parousia estava "próxima", ou era "iminente", significava que eles criam plenamente que ela poderia ocorrer dentro de um breve período de tempo — não que isso tinha de acontecer. À semelhança de Jesus, eles não conheciam "nem o dia nem a hora" (Mc 13.32), mas agiam, e ensinavam outros a agirem, como se a geração deles fosse a última. Quase vinte séculos depois, vivemos exatamente a mesma situação: esta nossa década pode ser a última na história humana. E o conselho de Tiago para nós é o mesmo que foi dado a seus leitores do primeiro século: sede pacientes, fortalecei os vossos corações!
9. À primeira vista, este versículo não tem muita coisa em comum com seu contexto, além de participar numa ênfase na iminência do julgamento. Entretanto, a queixa contra os outros é claramente uma tentação que acompanha a pressão das circunstâncias difíceis. Quão freqüentemente nos achamos atirando as frustrações de um dia difícil em cima de nossos amigos íntimos e membros da família! Abster-se de tais tipos de reclamações e queixas pode ser visto como um aspecto da própria paciência: ela é ligada ao "suportar-nos uns aos outros" em amor, em Efésios 4.2, sendo contrastada com a retaliação, em 1 Tessalonicenses 5.14-15. A palavra stenazõ, "queixar-se" ou "murmurar", é geralmente empregada de modo absoluto; apenas aqui no grego bíblico ela tem um objeto (uns dos outros). Aqui, o significado pode ser que os crentes não devem se queixar das dificuldades dos outros, ou que eles não devem acusar os outros, por causa de suas dificuldades. Contudo, é perfeitamente possível que as duas idéias estejam incluídas.
Do modo como havia feito em 4.11-12, Tiago associa o falar contra os outros com o julgamento. Lá, todavia, ele associou palavras críticas com o julgamento; aqui ele adverte de que as críticas de uns contra os outros põem a pessoa em perigo de julgamento. Esta advertência é semelhante à conhecida proibição de Jesus e pode ter recebido influência dela: "Não julgueis, para que não sejais julgados" (Mt 7.1). Para reforçar seu conselho, Tiago novamente lembra seus leitores de que o julgamento é iminente: o juiz está às portas. À luz de 4.12 ("um só é juiz"), é plausível a opinião de que o juiz, aqui, é Deus, o Pai. Entretanto, o paralelismo entre esta declaração e as referências à parousia, nos versículos 7-8, torna mais aceitável identificar Cristo como o juiz (veja Mt 24.33; Ap 3.10). O comentário final de Davids sobre este versículo merece ser repetido: "A proximidade do dia escatológico não é apenas um ímpeto para se olhar para o julgamento dos "pecadores"... mas também é uma advertência a que a pessoa examine seu comportamento, de modo que quando aquele, cujos passos se aproximam, finalmente bater à porta, ela possa estar preparada para abri-la... O Senhor que vem é também o juiz do cristão".
10) e também se encontra no Novo Testamento (cf. Hb 11). Jesus incentivou seus discípulos a enfrentarem a perseguição com coragem, "pois assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós" (Mt 5.12). Tiago diz que especificamente os profetas são um exemplo de sofrimento e paciência. Se a ARA estiver correta, ao traduzir kakopatheia por sofrimento, esta frase é mais bem interpretada como uma hendíadis(Figura que consiste em exprimir por dois substantivos ligados por coordenação uma idéia que normalmente se representaria subordinando um deles ao outro. Ex.: Ia andando, no sossego e na tarde, em vez de no sossego da tarde; Respirava o perfume e os campos, em vez de: Respirava o perfume dos campos), segundo a qual uma palavra modifica a outra: "paciência diante do sofrimento" (cf. BLH). Por outro lado, há boas razões para se traduzir kakopatheia por "resistência no sofrimento" (cf. a tradução que a ARA faz do verbo cognato, em 2 Tm 4.5). Com este significado, kakopatheia denotaria o fato de que os profetas resistiram à aflição; paciência (makrothymia) descreveria a maneira pela qual eles a an style='color:black'>. A primeira sentença deste versículo resume o ponto principal dos versos 10-11: aqueles que fielmente perseveraram no sofrimento são chamados "bem-aventurados" (ARC). O autor de 4 Macabeus começa seu relato chamando de "bem-aventurados" aqueles mártires que demonstraram "perseverança" (hypomoríe) diante da perseguição (1.10). De modo semelhante, Jesus também proferiu uma bem-aventurança sobre aqueles que são "perseguidos por causa da justiça" (Mt 5.10). "Ser bem-aventurado" não é, naturalmente, a mesma coisa que ser feliz (apesar da tendência de algumas versões modernas a esta tradução): "felicidade" normalmente sugere uma reação emocional e subjetiva; "bem-aventurança" é a aprovação e recompensa objetivas e inalteráveis de Deus. Assim como os profetas receberam esta recompensa, por serem fiéis na tribulação, da mesma forma, diz Tiago, se deu com Jó. Muitas pessoas têm se maravilhado diante da alusão de Tiago a Jó como um modelo de fiel perseverança no sofrimento, particularmente com as traduções que trazem "a paciência de Jó". Mas, mesmo quando traduzimos de modo mais exato, "firmeza" ou "perseverança" de Jó, a ilustração parece não ser muito apropriada. Não murmurou Jó acerca de suas circunstâncias, proclamando em justiça própria sua inocência e, de modo geral, questionando a forma de Deus lhe tratar? A aparente incompatibilidade entre o quadro canônico de Jó e a descrição que Tiago faz dele tem levado muitos a pensarem que Tiago foi influenciado pelo livro apócrifo Testamento de Jó, onde este é apresentado sob uma luz muito mais positiva. Mesmo assim, há um sentido em que o Jó do Antigo Testamento pode ser visto como um grande exemplo de firmeza. Embora Jó tenha reclamado amargamente do tratamento que lhe foi dado por Deus, ele nunca abandonou sua fé; no meio da incompreensão, ele se apegou em Deus e continuou a esperar nele (cf. Jó 1.21; 2.10; 16.19-21; 19.25-27). Segundo diz Barclay, "a submissão de Jó não é daquela que se arrasta aos pés de alguém, passiva e que a nada questiona; Jó lutou e questionou, e algumas vezes até desafiou, mas a chama da fé nunca se apagou em seu coração".
Além da "firmeza de Jó", os leitores de Tiago também ouviram do fim que o Senhor lhe deu. Esta frase tem estado sujeita a uma grande variedade de interpretações. Alguns traduzem telos como propósito e a entendem como uma referência ao propósito final de Deus por trás dos sofrimentos de Jó (cf. Jó 42.5-6). Contudo, telos também pode significar "fim" ou "desfecho". A referência pode ser à parousia — o "fim" que o Senhor trará — ou à morte e ressurreição de Cristo — o "fim" e o "sinal" da vida do Senhor. Entretanto, faz melhor sentido considerar a frase como uma referência ao fim ou desfecho da situação de Jó, finalmente trazido pelo Senhor: e.g., a restauração de sua família e fortuna (Jó 42.13). Esta interpretação encaixa-se com os paralelos da frase de Tiago (Testamento de Gade 7.4 e Testamento de Benjamim 4.1; cf. Hb 13.7), fornece um exemplo concreto do "bem-aventurado" mencionado anteriormente e explica a oração final: O "fim" de Jó mostra que, na verdade, o Senhor é cheio de terna misericórdia e compassivo. Isto também se encaixa na mensagem total do livro de Jó, que tem como um de seus propósitos mostrar como a fidelidade de Jó foi, no fim, recompensada por Deus. Certamente, Tiago não quer dizer que a paciência no sofrimento sempre será recompensada com prosperidade material; muitos exemplos, no Antigo Testamento (Jeremias!) e no Novo, provam que isto é errado. Mas ele procura incentivar nossa firmeza fiel e paciente na aflição, lembrando-nos da bem-aventurança que recebemos de nosso Deus compassivo e misericordioso, em troca de tal fidelidade.

            Bibliografia J. Moo

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