Um
estímulo à paciência perseverante (5.7-11)
O Salmo 37 é um maravilhoso cântico de ânimo
dirigido ao justo. Este é descrito como "pobre e necessitado" (v.
14), que está a sofrer perseguição sob a mão do ímpio (vv. 12-15,32-33). Ele é
tentado a invejar a prosperidade e bem-estar do ímpio (vv. 1, 7) e também, um
tanto paradoxalmente, a se impacientar para que o ímpio receba julgamento.
Nesta situação, o salmista incentiva o justo a "descansar no Senhor" (v. 7); a "deixar a ira"
(v. 8), pois Deus,
certamente, irá defender o justo e destruir o ímpio (vv. 34-40). Tiago
escreve as pessoas justas, principalmente pobres, que estavam sofrendo em
circunstâncias semelhantes. Seu conselho é o mesmo do salmista: "sede
pacientes", pois "a vinda do Senhor", quando os ímpios serão
julgados (5.1-6) e os justos libertados, "está próxima".
7. A transição da denúncia contra
ricos não-cristãos para o incentivo aos crentes é assinalada pelo retorno de
Tiago à sua forma de tratamento familiar: irmãos. Pois (oun) mostra que
este incentivo é baseado na condenação profética dos ímpios e ricos opressores,
em 5.1-6: uma vez que Deus
irá punir os opressores, os crentes precisam esperar com paciência esta hora.
Paciência, é
claro, é a idéia chave neste parágrafo. Ela é expressa quatro vezes com a raiz makrothym-
(vv. 7 [duas vezes], 8 e 10) e duas vezes com a raiz hypomon- (v.
11). A última raiz figurou proeminentemente no capítulo 1, onde Tiago encoraja
seus leitores a "perseverarem" nas provações que eles estavam
experimentando. As duas raízes são quase sempre distintas, sendo que geralmente
makrothym- é usada para indicar a atitude amorosa e longânima que devemos ter diante
dos outros (1 Co 13.4; Ef 4.2; 1 Ts 5.14), enquanto hypomon- em geral se
aplica àquela atitude
determinada e forte com a qual devemos enfrentar circunstâncias difíceis
(2 Ts 1.4). Entretanto, neste parágrafo não se pode achar nenhuma diferença
aguda de significado: a makrothymia dos profetas (v. 10) não parece ser
diferente da hypomoriê de Jó (v. 11). Uma superposição de significados
semelhante pode ser observada no Testamento de José 2.7, onde José, depois de
obter êxito na luta contra a tentação da esposa de Potifar, diz que a "perseverança {makrothymia)
é um poderoso remédio, e a resistência {hypomoriê) fornece muitas coisas boas"
(veja também Cl 1.11). Todavia, makrothymia retém um sentido mais
específico nos versículos 7-8, onde descreve não a força nas provações, mas uma
atitude de se esperar pacientemente no Senhor.
De forma específica, Tiago incentiva a paciência até
a vinda do Senhor. Até (heõs) tem um sentido complexo aqui, sugerindo a
idéia de um alvo bem como a de um período de tempo: "exercitem a paciência, enquanto vocês
esperam, e buscam, a vinda do Senhor". Parousia, "presença"
ou vinda, tornou-se um termo técnico na primeira igreja, aplicado à
esperada volta de Jesus em glória para julgar os ímpios (Mt 24.37,39; 2 Ts 2.8)
e libertar os santos (1 Co 15.23; 1 Ts 2.19; 3.13; 4.15; 5.23). Esta tradição
sugere com força que o Senhor aqui é Jesus, e não Deus Pai (todavia, cf.
2 Pe 3.12).
Como exemplo de paciência, Tiago menciona o lavrador,
que precisa aguardar com paciência que a terra produza o precioso fruto do
qual depende sua subsistência. Embora a palavra chuvas não seja
realmente usada neste texto (alguns
manuscritos a acrescentam; outros trazem "fruto"), a
referência a as primeiras e as últimas está certamente ligada às chuvas
que caíam sobre a Palestina no fim do outono e começo da primavera, as quais
eram vitais para a agricultura (çf. Dt 11.14). Embora seja possível que
a figura, sendo uma tradicional frase do Antigo Testamento, não diga nada
acerca da procedência da carta, é mais provável que Tiago a utilize porque ela
se encaixa nas circunstâncias de seus leitores.
8. Como o agricultor que espera pacientemente a semente germinar e a safra
amadurecer, os crentes devem esperar com paciência a volta do Senhor que os
libertará e julgará seus opressores. Enquanto esperam, eles precisam
"fortalecer" (stêrizõ) seus corações. Paulo fez a mesma
exortação aos tessalonicenses que aguardavam a parousia (1 Ts 3.13; çf. 2 Ts 2.17), e o autor
de Hebreus recomenda que o coração esteja "confirmado com graça",
como um antídoto contra o falso ensino (Hb 13.9). O que se recomenda, então, é
um firme apego à fé em meio de tentações e provações. À medida que esperam
pacientemente a volta de seu Senhor, os crentes precisam fortalecer uns aos
outros para a luta contra o pecado e circunstâncias difíceis.
Pode ser
perguntado se este conselho é importante para nós, uma vez que Tiago o baseia
na "proximidade" do Senhor. Muitos eruditos pensam que a convicção de
Tiago de que o Senhor estava "próximo" era um "engano", um
engano do qual participaram muitos dos primeiros cristãos e, talvez, até o
próprio Jesus. Se isto
fosse assim, a legitimidade do curso de ação sugerido aqui por Tiago poderia
ser seriamente questionada: que valor teria tal conselho, se a compreensão
básica do curso da história, na qual ele se baseia, é um engano? A acusação de
que Tiago estava errado neste assunto repousa sobre a suposição de que ele
acreditava que a parousia iria
necessariamente ocorrer dentro de um breve período de tempo. Mas não há
razão para se pensar que isto era assim. A convicção dos primeiros cristãos de
que a parousia estava "próxima", ou era "iminente",
significava que eles criam plenamente que ela poderia ocorrer dentro de
um breve período de tempo — não que isso tinha de acontecer. À
semelhança de Jesus, eles não conheciam "nem o dia nem a hora" (Mc 13.32), mas
agiam, e ensinavam outros a agirem, como se a geração deles fosse a última. Quase vinte séculos depois,
vivemos exatamente a mesma situação: esta nossa década pode ser a última
na história humana. E o conselho de Tiago para nós é o mesmo que foi dado a
seus leitores do primeiro século: sede pacientes, fortalecei os vossos corações!
9. À primeira vista, este versículo não tem muita
coisa em comum com seu contexto, além de participar numa ênfase na iminência do
julgamento. Entretanto, a queixa contra os outros é claramente uma tentação que
acompanha a pressão das circunstâncias difíceis. Quão freqüentemente nos
achamos atirando as frustrações de um dia difícil em cima de nossos amigos
íntimos e membros da família! Abster-se de tais tipos de reclamações e queixas
pode ser visto como um aspecto da própria paciência: ela é ligada ao
"suportar-nos uns aos outros" em amor, em Efésios 4.2, sendo
contrastada com a retaliação, em 1 Tessalonicenses 5.14-15. A palavra stenazõ, "queixar-se"
ou "murmurar", é geralmente empregada de modo absoluto; apenas aqui
no grego bíblico ela tem um objeto (uns dos outros). Aqui, o significado pode ser que
os crentes não devem se queixar das dificuldades dos outros, ou que eles não
devem acusar os outros, por causa de suas dificuldades. Contudo, é
perfeitamente possível que as duas idéias estejam incluídas.
Do modo como havia feito em 4.11-12, Tiago associa
o falar contra os outros com o julgamento. Lá, todavia, ele associou palavras
críticas com o julgamento; aqui ele adverte de que as críticas de uns contra os
outros põem a pessoa em perigo de julgamento. Esta advertência é semelhante à
conhecida proibição de Jesus e pode ter recebido influência dela: "Não
julgueis, para que não sejais julgados" (Mt 7.1). Para reforçar seu
conselho, Tiago novamente lembra seus leitores de que o julgamento é iminente: o juiz está às portas. À
luz de 4.12 ("um só é juiz"), é plausível a opinião de que o juiz,
aqui, é Deus, o Pai. Entretanto, o paralelismo entre esta declaração e as
referências à parousia, nos versículos 7-8, torna mais aceitável
identificar Cristo como o juiz (veja Mt 24.33; Ap 3.10). O comentário final de
Davids sobre este versículo merece ser repetido: "A proximidade do dia escatológico não é apenas um
ímpeto para se olhar para o julgamento dos "pecadores"... mas também
é uma advertência a que a pessoa examine seu comportamento, de modo que quando
aquele, cujos passos se aproximam, finalmente bater à porta, ela possa estar
preparada para abri-la... O Senhor que vem é também o juiz do cristão".
10) e também se encontra no Novo Testamento (cf. Hb 11). Jesus
incentivou seus discípulos a enfrentarem a perseguição com coragem, "pois
assim perseguiram aos profetas que viveram antes de vós" (Mt 5.12). Tiago
diz que especificamente os profetas são um exemplo de sofrimento e paciência.
Se a ARA estiver correta, ao traduzir kakopatheia por sofrimento,
esta frase é mais bem interpretada como uma hendíadis(Figura que consiste
em exprimir por dois substantivos ligados por coordenação uma idéia que
normalmente se representaria subordinando um deles ao outro. Ex.: Ia andando,
no sossego e na tarde, em vez de no sossego da tarde; Respirava o perfume e os
campos, em vez de: Respirava o perfume dos campos), segundo a qual uma palavra
modifica a outra: "paciência diante do sofrimento" (cf. BLH).
Por outro lado, há boas razões para se traduzir kakopatheia por "resistência no
sofrimento" (cf. a tradução que a ARA faz do verbo cognato,
em 2 Tm 4.5). Com este significado, kakopatheia denotaria o fato de
que os profetas resistiram à aflição; paciência (makrothymia) descreveria
a maneira pela qual eles a an style='color:black'>. A primeira sentença deste
versículo resume o ponto principal dos versos 10-11: aqueles que fielmente
perseveraram no sofrimento são chamados "bem-aventurados" (ARC). O
autor de 4 Macabeus começa seu relato chamando de "bem-aventurados"
aqueles mártires que demonstraram "perseverança" (hypomoríe) diante
da perseguição (1.10). De modo semelhante, Jesus também proferiu uma
bem-aventurança sobre aqueles que são "perseguidos por causa da
justiça" (Mt 5.10). "Ser bem-aventurado" não é, naturalmente, a
mesma coisa que ser feliz (apesar da tendência de algumas versões
modernas a esta tradução): "felicidade" normalmente sugere uma reação
emocional e subjetiva; "bem-aventurança"
é a aprovação e recompensa objetivas e inalteráveis de Deus. Assim como
os profetas receberam esta recompensa, por serem fiéis na tribulação, da mesma
forma, diz Tiago, se deu com Jó. Muitas pessoas têm se maravilhado
diante da alusão de Tiago a Jó como um modelo de fiel perseverança no
sofrimento, particularmente com as traduções que trazem "a paciência de
Jó". Mas, mesmo quando traduzimos de modo mais exato, "firmeza"
ou "perseverança" de Jó, a ilustração parece não ser muito
apropriada. Não murmurou Jó acerca de suas circunstâncias, proclamando em
justiça própria sua inocência e, de modo geral, questionando a forma de Deus
lhe tratar? A aparente incompatibilidade entre o quadro canônico de Jó e a
descrição que Tiago faz dele tem levado muitos a pensarem que Tiago foi
influenciado pelo livro apócrifo Testamento de Jó, onde este é apresentado sob
uma luz muito mais positiva. Mesmo assim, há um sentido em que o Jó do Antigo
Testamento pode ser visto como um grande exemplo de firmeza. Embora Jó tenha reclamado
amargamente do tratamento que lhe foi dado por Deus, ele nunca abandonou sua
fé; no meio da incompreensão, ele se apegou em Deus e continuou a esperar nele
(cf. Jó 1.21; 2.10; 16.19-21; 19.25-27). Segundo diz Barclay, "a
submissão de Jó não é daquela que se arrasta aos pés de alguém, passiva e que a
nada questiona; Jó lutou e questionou, e algumas vezes até desafiou, mas a
chama da fé nunca se apagou em seu coração".
Além da "firmeza de Jó", os leitores de
Tiago também ouviram do fim que o Senhor lhe deu. Esta frase tem
estado sujeita a uma grande variedade de interpretações. Alguns traduzem telos
como propósito e a entendem como uma referência ao propósito final
de Deus por trás dos sofrimentos de Jó (cf. Jó 42.5-6). Contudo, telos
também pode significar "fim" ou "desfecho". A
referência pode ser à parousia — o
"fim" que o Senhor trará — ou à morte e ressurreição de Cristo — o
"fim" e o "sinal" da vida do Senhor. Entretanto, faz melhor
sentido considerar a frase como uma referência ao fim ou desfecho da situação
de Jó, finalmente trazido pelo Senhor: e.g., a restauração de sua
família e fortuna (Jó 42.13). Esta interpretação encaixa-se com os paralelos da
frase de Tiago (Testamento de Gade 7.4 e Testamento de Benjamim 4.1; cf. Hb
13.7), fornece um exemplo concreto do "bem-aventurado" mencionado
anteriormente e explica a oração final: O "fim" de Jó mostra que, na
verdade, o Senhor é cheio de terna misericórdia e compassivo. Isto
também se encaixa na mensagem total do livro de Jó, que tem como um de seus
propósitos mostrar como a
fidelidade de Jó foi, no fim, recompensada por Deus. Certamente, Tiago
não quer dizer que a paciência no sofrimento sempre será recompensada com
prosperidade material; muitos exemplos, no Antigo Testamento (Jeremias!) e no
Novo, provam que isto é errado. Mas ele procura incentivar nossa firmeza fiel e
paciente na aflição, lembrando-nos da bem-aventurança que recebemos de nosso
Deus compassivo e misericordioso, em troca de tal fidelidade.
Bibliografia
J. Moo
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